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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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“Todo mundo é capaz de estar sozinha”, aconselha vítima de violência doméstica que conseguiu quebrar o ciclo

Foto: Rogério Florentino Pereira/Olhar Direto

“Todo mundo é capaz de estar sozinha”, aconselha vítima de violência doméstica que conseguiu quebrar o ciclo
Somente nos onze primeiros dias de 2019, trinta e três mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil. Dezessete sobreviveram. Incontáveis outras foram vítimas de violência doméstica. E cada caso que chega à mídia é, para Dra. Camila Tagliari, médica pós-graduada em dermatologia e nutrologia, um gatilho que a leva de volta para a madrugada de 27 de março de 2016, quando foi espancada por o então marido, em frente à sua filha de onze anos. Hoje, quase três anos após o ocorrido, apesar das cicatrizes, a médica segue sua vida, segundo ela, muito melhor do que já foi. No entanto, ao olhar para trás e para todos estes casos, percebe o que não conseguia perceber durante os longos anos de relacionamento que teve com o empresário Marcos César Martins Campos: “A violência doméstica não é uma doença aguda. Ela vem dando pequenos sinais, até que um dia culmina no que aconteceu”. 

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O relacionamento de Camila e Marcos começou à distância, o que, segundo ela, ajudou a mascarar a realidade. “Quando você está dentro de um relacionamento, você não enxerga muito o que acontece, ou algumas pessoas, pelo menos, não enxergam tudo que acontece. E por mais que o outro possa ser agressivo, acho que pelo afeto, pelo carinho, pelo amor, você acaba achando que foi um dia de stress, um dia que ele pode ter bebido um pouco a mais, alguma coisa assim”, afirma. “Um dia é um puxão de cabelo, um dia é um empurrão... [mas] você jamais vai imaginar que um puxão de cabelo acabe num espancamento”.

No dia em que foi agredida, Camila voltava da comemoração do aniversário de Marcos, onde sofreu fortes agressões, no estacionamento do prédio onde moravam. O empresário chegou a ser preso em flagrante, indiciado por crime de lesão corporal e encaminhado para audiência de custódia. Foi colocado em liberdade após a oitiva pelo juiz Marcos Faleiro, passou a usar tonozeleira eletrônica e a ter que ficar distante de Camila e sua filha. Atualmente, o processo ainda corre na justiça, e ele está em liberdade. 

A médica voltou a trabalhar dois meses depois do ocorrido, e conta que se surpreendeu com o tanto de pacientes que vieram lhe contar que também passaram – ou ainda passavam – por situações semelhantes. “É uma coisa muito comovente você ouvir isso e enxergar que acontece em todas as classes sociais, em qualquer profissão, com mulheres de todas as idades... de todos os jeitos”, lamenta.



Muitas delas, inclusive, contaram que não conseguiam se livrar do ‘ciclo da violência’. “Qualquer mulher que passa por isso não merece passar por isso. Não importa. Ela não merece passar por isso. Mas se ela decidiu que pra ela aquilo é o melhor, tentar mais uma vez, [tentar] dar uma segunda chance, a gente tem que respeitar, porque ela tem o motivo dela, a realidade dela. Mas que essa decisão seja feita com muita consciência. Não cabe a nós julgar isso. Mas se for da vontade delas, o que eu posso fazer é encorajá-las a tomar as rédeas da própria vida pra poder ter um dia melhor que o outro”, complementa.

Camila, apesar de hoje enxergar que o ex-marido deu sinais de agressividade, conta que só conseguiu se livrar depois da agressão, quando ‘chegou ao limite’. E, ainda assim, não foi fácil. Ela chegou a ser julgada, e muitos perguntaram o que ela tinha feito para ‘merecer’ aquilo.

Para superar o que passou e ignorar este tipo de comentário, o que resolve, para ela, “É o tempo, o trabalho psicológico, é tentar entender que você só é responsável pelos seus atos e não pelos atos dos outros. É tentar superar. Não acho que tem que dizer a essas mulheres que precisam de coragem pra sair disso, que é fácil. Porque não é fácil. É doído, é uma quebra de sonhos, é uma quebra de expectativas, é uma quebra de realidade. Mas vale a pena. Você tem que se por em primeiro lugar. Você, e no meu caso, o que você quer mostrar pros seus filhos. O que você quer que seus filhos entendam”.

Ciclo de violência

Segundo uma cartilha publicada pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres em 2005 (veja AQUI), de forma geral, a violência doméstica é cíclica. Ela segue, muitas vezes, três fases: a construção de tensão no relacionamento, com incidentes menores, como agressões verbais, crises de ciúmes e ameaças; a explosão da violência, com agressões agudas e ataques mais graves; e a ‘lua de mel’, momento em que o agressor mostra remorso e medo de perder a companheira, e passa a implorar seu perdão, prometer diversas coisas, comprar presentes e demonstrar culpa e paixão.



Para Camila, o principal é manter os olhos abertos. “A gente começar a ter uma leitura do que a gente está vivendo, e todo dia se perguntar se é isso mesmo que você quer pra sua vida. É estar com essa pessoa? Se surge uma dúvida, tem o porquê dessa dúvida. E levar em consideração essa dúvida. O que está acontecendo? Em N âmbitos... desde ‘eu quero me vestir de tal forma’ e ele me proíbe, ou então ‘eu tenho amigas e não posso vê-las’... mas o que eu percebo, é que a maioria dos homens de perfil agressivo, tem [também] um perfil dominador. E você não consegue perceber que ele está te dominando”.

Após a quebra deste ciclo de violência, como aconteceu com Camila, outro ponto importante é se proteger e evitar cair em outro relacionamento abusivo, seguindo um padrão. “Acho que toda mulher que passa por isso vai se sentir acuada e traumatizada, mas elas precisam saber que nem todo mundo é igual. Apesar de saber que nem todo mundo é igual, ela vai saber [também] determinar onde é o momento dela de dizer não. Começar a ter os olhos mais abertos, e a enxergar onde começa alguma coisa mais abusiva, alguma coisa mais desrespeitosa, e a saber se afastar e dizer não. Mas para isso não basta só sair do relacionamento abusivo, tem que saber entrar em outro e impor limites”.

Para aquelas que se veem em uma situação semelhante ao que ela passou, e têm medo de se libertar, ela aconselha: “Todo mundo é capaz de deixar o passado para trás para ter uma vida saudável e feliz, continue buscando ajuda, busque aconselhamento e terapia a saúde mental, recompense-se, você merece curtir a vida que tem, então não tenha medo, estabeleça objetivos para se motivar".   

Atualmente, a Dra Camila Tagliari, Formada em dermatologia e nutrologia, consegue ajudar, também, por meio de seu trabalho. “Além de saúde, consigo promover nas pacientes fatores que elevam a autoestima através de meus serviços e procedimentos, para que cada vez mais pessoas sejam mais seguras, felizes e independentes”, finaliza.
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