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“Pedro”, o menino que coleciona crânios de vaca e a brasilidade no audiovisual pós-indústria

Autor: Felippy Damian - Especial para o Olhar Conceito

08 Mai 2013 - 08:51

A indústria audiovisual foi por muito tempo o único modus operandi da atividade audiovisual desde a criação do cinematógrafo dos irmãos Lumière, no final do século 19. Essa indústria concebe, a partir das noções vigentes do capitalismo, os parâmetros da tríade produção, distribuição e exibição dos produtos audiovisuais. Atualmente, o professor da UFF e também ensaísta Cezar Migliorin pontua o levante de uma nova dinâmica para a tríade que denomina de cinema pós-industrial. 

Neste novo cenário, que coexiste com o anterior, as rupturas são motivadas pelas mutações no sistema capitalista que permite o barateamento das tecnologias necessárias à atividade de produção, e também, pela nova estruturação das redes sociais na internet e pelas mídias sociais potencializando uma distribuição espontânea. Assim, os meios de produção já não são os mesmo e estão divididos de forma mais democrática e desordenada.

É em tal conjuntura que se estabelece a produção audiovisual do Urso Morto, pseudônimo de Fabrício Brambatti, artista plástico de São Caetano do Sul-SP, que recentemente vêm experienciando a linguagem do audiovisual. O Urso Morto é jovem, não tem produtora, e também, não possui os recursos exigidos pela indústria audiovisual, mas já finalizou quatro trabalhos nos últimos dois anos. O último e de maior destaque é “As sete mortes de Pedro: o menino que colecionava crânios de vaca”.

O gênero do filme já lhe confere um caráter exótico por se tratar de personagens reais, inclusive seu protagonista, o menino Pedro, porém adquiri com a linguagem adotada, uma leveza que foge do padrão jornalístico adotado por parte significante dos documentaristas. O público desatento pode enxergar o curta-metragem como uma obra de ficção, o que desprezaria uma fatia relevante dos seus méritos.

O roteiro pode ser dividido em dois: o primeiro e mais importante tem como protagonista Pedro, menino de 14 anos, analfabeto. Embora a figura de Pedro seja o elemento centralizador das atenções, ele tem pouquíssimas falas, ficando a cargo de uma locução feminina a apresentação da teoria do garoto, que cataloga sete formas existentes de morte.

No segundo ato, que corresponde aos créditos finais, as imagens apresentam a cidade de Aiuba-CE, cidade do protagonista do primeiro ato, que colecionava crânios de vaca. Os vários planos da cidade nordestina soam áridos e ganham proporções globais ante a letra apocalíptica de “Juízo Final” de Nelson Cavaquinho. A edição com alguns efeitos de cartela são parâmetros claros para identificação da autoria do Urso Morto, cada coisa está em seu lugar. As imagens ficam como esteio da locução muito mais pela força do texto do que pela debilidade e escolha dos registros de vídeo.

A locução feita na língua inglesa aparentemente revela intenção do diretor de mostrar a cultura local, micro, para um público que ultrapasse a barreira linguística, macro. Percebe-se então uma maximização daquela cultura, uma das mil faces da brasilidade, vista de maneira única em cada lugar deste país de proporções colossais, é apresentada de maneira cosmopolizada.

Os traços da cultura que poderiam ser entendidos como superficializados pelo Urso Morto ganham dinâmica eficaz através do raciocínio de Pedro para a criação de sua teoria. Embora apresentados de maneira bem sintética devido à simplicidade da formulação, o pensamento do garoto evoca a morte como a causa dos acorridos que ele consegue assimilar com o seu olhar. A sensibilidade do diretor, que com humildade valoriza o olhar de Pedro em detrimento do seu, é o ponto mais alto e relevante do curta-metragem. É como se Pedro reclamasse, sem que o quisesse, a atenção para um lugar que também é Brasil.

Assista: As Sete Mortes de Pedro, o Menino que Coleciona Crânios de Vaca





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