Olhar Conceito

Quinta-feira, 02 de maio de 2024

Colunas

A história do menino que voava com os pássaros e como ninguém parecia prestar atenção

Arquivo Pessoal

Certa tarde estava andando quando observei algo interessante, e o que lhes contarei aqui é senão os fatos como aconteceram. Não mentirei, contudo: os acontecimentos podem soar estranhos aos olhos e à razão, mas não nos preocupemos com o que eles alertarem.

O que vi então foi que, sem asas, ciência ou feitiço, um menino voava junto a dezenas de pássaros, divertindo-se, gritando, tocando-lhes as asas delicadamente, como para ver se eram de verdade. A mágica fazia as aves responderem envolvendo-o, colocando-o sob uma nuvem de penas macias de todas as cores, do amarelo ao roxo profundo, e ele ficava ali, maravilhado com tudo aquilo. Estava voando – isso era verdade! –, e tinha consigo belos companheiros de viagem e diversão.

Deitado sobre os pássaros que não se importavam em carregá-lo, ele ficou observando curioso uma mão delicada se estender por entre os raios do sol. Era familiar, parecia querer acariciá-lo, afagar-lhe a cabeça, carregá-lo no colo. Tinha em um dos dedos um fino anel de ouro muito bem trabalhado, com sulcos que lembravam flores e pedras brancas tão bonitas que brilhavam sob o sol. A mão não parecia cansada, mas macia e agradável, dando a ele um desejo de poder deitar sobre ela e se deixar ser acolhido por aquilo que viria a ser uma extensão de si mesmo.

Sentou-se sobre os pássaros, o olhar fixo na mão estendida. Levantou-se, meio cambaleando, e foi em direção a ela. Parecia não ter medo de cair daquela nuvem instável. Na verdade, parecia não ter consciência de que isso poderia acontecer, como se fosse algo impossível e inimaginável, e que todas as circunstâncias estavam organizadas de tal modo que a única possibilidade existente no futuro seguinte era ele alcançar a mão reluzente e deixar-se ser acolhido por ela. Tocou-lhe a ponta do dedo indicador, segurando-o com a pequena mão quase completamente fechada. Sentiu ser envolvido e levantado, ficando ao alto, acima das nuvens brancas, os pássaros quilômetros abaixo, transformados em riscos coloridos no céu azul.

Uma cantiga começou a ressoar, uma voz doce, cuja melodia acalmava todos os ferozes animais de um mundo violento que sabia existir muito abaixo de si. Soava sobre seu ouvido de forma calma, e sentia um balançar como o de uma rede em fim de tarde; o vento soprava agradável pela face. As preocupações já não haviam mais; começava a perder os sentidos e os movimentos. Adormecera não muito tempo depois, praticamente não sentindo o efeito sonífero daquela bonita canção.

A mãe carregava o bebê no colo, balançando-o devagar e cantando-lhe baixinho, andando lentamente por um corredor de shopping de uma cidade grande. Dezenas de desconhecidos passavam formando nuvens por sobre o rosto adormecido, andando a passos e pensamentos apressados, em busca de algum objetivo no horizonte da visão.

Já estavam distantes os pássaros coloridos do tapete. A mágica havia adormecido, e agora estavam imóveis, fixados em pleno voo, paralisados em momento que nunca esquecerão.

*Augusto Iglesias é estudante de Medicina e ora ou outra se atreve a escrever. No anseio de ambas as profissões, vai vivendo o dia a dia. Contato: augusto.iferreira@gmail.com



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