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Quinta-feira, 02 de maio de 2024

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Vidas ceifadas em prol do progresso pedem profunda reflexão sobre a quem estamos matando: os povos tradicionais ou nós mesmos?

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Os exilados. Forçados a deixar as memórias que construíram pelas imposições daqueles que vieram de fora. E é sobre isso que eu vou escrever hoje. Afinal, foi assim com tantas pessoas diferentes daqueles conhecidos por ‘povo branco’, que escraviza e coloniza, com a força de um predador doente. Foi assim com os negros e com os indígenas.

E para apaziguar esta relação conflituosa, de abismos sociais e culturais, que criamos feriados com o intuito de homenageá-los ou de apagar em nós, a culpa crescente por disseminar tribos inteiras.

“Alguma coisa neles morre assim que entramos em contato pela primeira vez”, esta foi uma das afirmações no filme Xingu que retrata a vida dos irmãos Villas-Boas que auxiliaram na ‘colonização’ das etnias na região amazônica. Povos intocados, imaculados, e livres. “O que nós podemos fazer é chegar primeiro, porque não tem lugar que o homem branco não chegue”.

O que fizemos em nome do progresso? Em nome da satisfação de desejos pessoais? Esquecemos quem somos. Sobrepomos nossas vontades ao conceito de coletivo, de igual. Matamos os espíritos, os sonhos, as esperanças. Matamos quem eles sempre souberam que eram e agora se confundem em uma sociedade urbana, avassaladora e implacável.

A visão que possuem do mundo é muito mais avançada do que jamais chegaremos. A relação com a terra é tão diferente daquela pregada pelo homem branco, que só quer posses e posses. A relação é de memória. A terra é sagrada, a natureza é sagrada. Os antepassados residem nesse pedaço de chão. E a oralidade de suas tradições pode se perder se for desconectada deste universo denso da cultura indígena e negra.

Aqui permanecem, e lutam constantemente para manter a posse sobre suas terras, e a disputa com fazendeiros, com usinas, com o governo federal é tão desleal. Em nome do progresso roubamos e matamos. Em nome do progresso nos defendemos de não termos humanidade. Tudo em nome do progresso. Mesmo que custe a nossa alma.

E os negros arrastados de suas casas, de suas lembranças, amordaçados, surrados, e presos em navios, em terras que não são suas, para trabalhar e trabalhar, simplesmente, por ser ‘diferente’ dos brancos. E agora são exilados desta terra em que foram abandonados, segregados em quilombos.

O que estamos fazendo com os povos tradicionais? Roubando suas matas, suas terras, suas vidas, seus sonhos. E ainda batem no peito para dizer que fazem doações, que são puritanos, que seguem a cartilha das igrejas. Pura hipocrisia. Na hora de lembrar não valorizam a memória alheia, esquecem de dizer que do outro lado também há vida, e talvez uma vida que esteja mais em sintonia com o mundo do que esta sociedade branca.

O lucro, o capitalismo, o progresso. Porque todas estas palavras parecem pertencer a uma seita, a qual se pode fazer qualquer coisa em nome do benefício coletivo? Mas e que benefício é esse? Para quem? Não é para mim, e não é para as ditas ‘minorias’ (que no caso são maioria se pensarmos bem neste conceito, já que aqui entram todos os ‘exilados’ e excluídos). E isto acontece em escalas maiores do que pensamos saber, isso também acontece com judeus, com homossexuais, com deficientes mentais, com qualquer pessoa que não se encaixe ao padrão.

Afinal, quem estamos matando quando pensamos que os direitos deles não são iguais aos nossos? Quem morre nesta luta?

Esta é uma batalha sem vencedores, sem prêmios, sem batatas. É uma batalha que só leva a morte, e a uma morte que não é de apenas UMA vida ceifada, mas sim de um tempo que não retorna, de uma memória que não é nossa, de sonhos que nunca nos pertencerão, e de uma terra que nunca teremos.

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