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Quarta-feira, 01 de maio de 2024

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Cultura pop e cult - Gruta subterrânea e a simplicidade infantil de Spielberg

Uma boa história dá a sustentação ideal para um filme de qualidade. Em alguns casos, quando as atuações deixam a desejar, este fato óbvio se torna mais óbvio ainda. Quando uma história é realmente bem construída, interpretações medianas são esquecidas, pois nos levam – de qualquer forma – para dentro da narrativa. Mas, é claro, ninguém abre mão da boa e velha atuação honesta. E aliada a uma história exemplar, fica fácil chamar um simples filme de clássico.

Particularmente, as crianças me encantam. Sua inocência, pureza e honestidade no falar e agir fazem delas criaturas sobre-humanas. É como se, em um universo paralelo, todo o mundo residisse na mais pura simplicidade. Elas dão graça às piadas, tornam histórias ainda mais divertidas de serem contadas e nos fazem acreditar na possibilidade do impossível. Steve Spielberg captava essa mesma essência. De alguma forma, mais complexa do que meu próprio entendimento sobre o valor da criança, o cineasta sabia exatamente onde tocar e como fazer as crianças tocarem os demais. De uma forma incomparável, Steven Spielberg trouxe ao mundo o universo infantil imortalizado da melhor forma: no cinema.

Ao mencionar filmes protagonizados por elenco infantil, seria possível estender a conversa por horas a fio. Em se tratando de obras, com os mesmos elementos e produzidas na década de 80, a conversa se estenderia por dias. Aparentemente, todas as transformações da época, os artistas que se consagraram, as bugigangas, os maneirismos e a inocência preservada dos pequenos conspiravam a favor de produções desse porte. O ambiente era perfeito para explorar a infância, dentro de histórias encantadoras.

Quando um filme é protagonizado por crianças, ele já conquista 30% da minha aceitação. Muito mais do que adultos, a interpretação mais sincera de um personagem parte delas. No cinema, os mais velhos são obrigados a te convencer. Eles possuem a malícia, o jogo de cintura e sabem usar determinadas expressões quando necessárias. Em se tratando dos menores, existe somente uma face: a expressão infantil. E isso já diz muito. Dentro deste olhar e deste sorriso, existem diversas “caras e bocas”. Não são forçadas, não são planejadas. São reais.

No filme Os Goonies (1985), vemos quatro tipos de expressões infantis. À medida que são iguais, pois a faixa etária é a mesma, elas são completamente distintas. Temos o sensato e líder – o protagonista principal do grupo – Mikey Walsh (interpretado por Sean Astin), o rebelde e irreverente Bocão (Corey Feldman), o inteligente e criador de engenhocas Dado (Ke Huy Can) e o gordinho engraçado e sempre faminto Chunk (Jeff Cohen). Ao lado deles, mais três adolescentes acrescentam o charme ideal a trama. Com a concepção de que adolescência é sinônimo de vida adulta, os personagens Brand (irmão de Mikey), Andy e Sthepanie trazem o desejo da maturidade precoce, em um filme onde a aventura lembra o sonho infantil de tantos de nós.

Ao saberem que suas famílias serão despejadas no prazo de dois dias e que suas residências serão demolidas, essas quatro crianças – autointituladas de Goonies – convivem com o sentimento difícil do adeus. Adeus aos amigos, à casa, adeus à única vida que conhecem. E quando o apego se torna irremediável, é natural se concentrar em um fragmento de esperança, que pode garantir a vida de todos. Aqui o sonho é adulto: salvar todas as casas do bairro Goon Docks, que está prestes a se tornar um clube de campo. Já a aventura, é “infantil”: procurar o tesouro perdido de Willy, O Caolho, o legendário pirata do século XVII.

Ao longo da trama, em que os sete jovens adentram uma gruta subterrânea, escondida dentro de uma espelunca abandonada, eles são desafiados por todo tipo de adversidade. Além de passarem boa parte do filme fugindo dos assassinos irmãos Fratelli, que também buscam o mesmo tesouro, o grupo de crianças está isolado. Sem proteção parental, sem a segurança que o mundo adulto deve proporcionar a todos eles, Os Goonies se veem em uma situação em que somente eles serão responsáveis por sua própria sobrevivência.

Com piadas divertidas, oriundas – naturalmente – do caráter infantil e uma maturidade que cresce conforme a história avança, Os Goonies consegue se consagrar como um clássico não por ter a assinatura de Spielberg. É claro que seu dom em lhe dar com o público infantil sempre será destaque em qualquer produção, seja ela Jurassic Park ou Indiana Jones. Mas Goonies se imortalizou, 28 anos depois de seu lançamento, por ser a obra dos sonhos. O espírito aventureiro que nasce em cada criança é consumado, em uma jornada que começa com um mapa velho, encontrado no sótão de casa.

Diferente da infância atual, que “realiza” suas aventuras com simples cliques nos botões do controle de videogame, a infância oitentista (que se estendeu aos anos 90) é um reflexo da inocente paixão pelo desconhecido, natural de toda criança que sonha em conquistar algo. Sem a ajuda de computadores ou até mesmo walkie-talkies (populares na década), Os Goonies trás uma representação fiel do imaginário infantil, que hoje se perde entre tablets, filmes maliciosos e piadas de duplo sentido.

"E o mundo passa, com tudo aquilo que as pessoas cobiçam; porém aquele que faz a vontade de Deus vive para sempre". (1 Jo 2:17)

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