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Quarta-feira, 01 de maio de 2024

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A vida que pedi a John Hughes

Filmes atuais baseados nos anos 80 existem aos montes e fazer referencia à épocas históricas sempre rendeu bons resultados. E, convenhamos, recordar é viver. Dessa nova porção, encontramos obras como o musical Rock of Ages (2012, estrelado por Tom Cruise) – uma ligação direta ao ímpeto rebelde do jovem que busca o sonho de ser ou conhecer um rockstar; Uma Noite Mais que Louca (2011, estrelado por Anna Faris) – que marca o encontro de um grupo de jovens que procura sua própria identidade pessoal e profissional em meio a confusões; e o sombrio clássico cult Donnie Darko (2001, estrelado por Jake Gyllenhaal) – tão detalhista e cauteloso que nos passa a real sensação de estarmos assistindo a um filme, estilisticamente, dos anos 80.




Dentre tantos, o que mais me atrai e talvez seja a homenagem mais fiel já feita, é A Mentira. Lançado em 2010, o filme conta com as atuações mais divertidas que já vi em uma comédia que mescla os dois universos de um adolescente: a escola e a casa. Com um elenco formado por Stanley Tucci, Malcolm McDowell, Emma Stone e até mesmo Amanda Bynes (no seu último momento de glória), A Mentira nos traz uma honesta história de como o ambiente escolar pode ser nocivo, principalmente se você está tentando se provar para os demais.

É aquela velha história, com uma nova roupagem em cima de um conto antigo: Pra tentar escapar de uma situação constrangedora, uma mentirinha até que cai bem. No caso de Olive (Emma Stone), a mentira se faz “necessária” quando sua melhor amiga lhe convida para um viagem de fim de semana com seus pais esquisitos. Tentando de esquivar – sem magoar os sentimentos dela –, Olive inventa um suposto encontro. A consequência não seria tão trágica se, ao comentar com a amiga no banheiro da escola – na semana seguinte – que ela “havia perdido a virgindade”, a garota mais certinha e extremamente religiosa, Marianne (Amanda Bynes), não tivesse ouvido.

A história toda se desenrola a partir de uma fofoca em cima de uma mentira. O que antes era mais uma garota despercebida, se torna o alvo de chacotas, agressões verbais, com uma reputação brutalmente destruída por um “pequeno” conto. O agravante vem quando seu amigo gay, lhe pede para espalhar a notícia de que eles mantinham relações sexuais. Mais uma mentira para sustentar uma ideia que – supostamente – corresponderia àquilo que todos nas escola esperam uns dos outros: atitude “pró-ativa” e postura dominante.

Em A Mentira, vemos o quão doloroso é manter um estilo de vida falso, que visa apenas provar ilusões para pessoas com as quais nós nem nos importamos, de fato. A reputação contaminada de Olive a transforma na garota mais detestável da escola, que só quis ajudar os esquisitos, ignorados e desprezados a conseguir um status irreal, que garantiria sua sobrevivência em um ambiente tão intragável, mas necessário.




A nova roupagem em cima de um conto antigo se dá pela ligação automática com o clássico literário A Letra Scarlet, de 1850. Enquanto a obra, que se passa no século XVII em uma América colonizada por puritanos, retrata a história de uma mulher adúltera obrigada a carregar no peito a marca da letra A em vermelho, A Mentira traz a mesma premissa antiga com um ar contemporâneo. Ao levar para os corredores da escola no ano de 2010 uma obra tão estuda pelos estudantes americanos, a associando à vida de uma jovem, o diretor Will Gluck traz para o cinema uma versão cômica sobre o avalanche que a mentira gera.

O filme tira o estilo dos anos 80, mas extrai a identidade do jovem dessa época, trazendo para os anos 2000 e mostrando que – ainda que os tempos sejam outros – a mente dos mais novos mantém alguns aspectos cruciais que moldam sua personalidade no período onde a vida se restringe ao ambiente escolar. Além de referências diretas aos filmes de John Hughes (cineasta especialista em lidar com adolescentes, criador de filmes famosos como Esqueceram de Mim, Férias Frustradas de Verão, Curtindo a Vida Adoidado, Clube dos Cinco e A Garota de Rosa Shocking), o personagem de Olive ressalta sua paixão pelos filmes do cineasta e como os pensamentos de um adolescente se estruturam. Com os mesmos ideais e busca de identidade apresentados nos anos 80, dessa vez em meio a videoblogs e fofocas que se espalham rapidamente pela internet.

De maneira diferente, o diretor restaura a essência do jovem, tão bem explicada nos filmes de John Hughes. Aquela sensação de que todos buscam seu espaço na escola, tentam ser notados, mas não marginalizados. Ele também envolve o problema adolescente dentro do ambiente familiar, mostrando uma casa nada convencional, formada por pais engraçados e nada rígidos, um filho adotivo negro e dá um certo norte de como envolver a família em uma crise escolar de maneira divertida. O grandioso sucesso de bilheteria de A Mentira conseguiu provar como os adolescentes dos anos 2000 tem muito em comum com aqueles dos anos 80 e nos lembra que os melhores conceitos de hoje são, de fato, uma reciclagem de tudo que vimos há quase 30 anos atrás.
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