Olhar Conceito

Quinta-feira, 02 de maio de 2024

Colunas

Quinze minutos: a história de um homem de negócios, de uma sorveteria e de um calor interminável.

O relógio no pulso mostrava ponteiros preguiçosos indicando o horário, e o que marcava os segundos parecia arrastar-se pelo vidro curvo. Era como se ainda estivessem dormindo, sob um macio cobertor quente em um dia frio e chuvoso, enquanto a realidade trazia-lhes ao rosto um sol escaldante de meio-dia. O pulso ergueu-se para consultar o horário. “Meio-dia e dez. Ele está atrasado”, pensou o dono daquele braço, um rapaz com uns trinta anos e roupa social, conforme era exigência do trabalho. “Irei esperar mais cinco minutos”.

Ali, no hall de entrada de um prédio comercial, sentado em um sofá de couro preto, o homem esperava a chegada de outro para fecharem um negócio, que resultaria em melhorar a imagem de ambas as empresas envolvidas, além de aumentar o rendimento e o lucro de cada uma. Não fosse isso, os quinze minutos seriam mais enfrentados como desaforo às relações comerciais do que como algum problema que poderia ter surgido e impedido o fiel cumprimento de horário. É como se, em nome do bem econômico, filhos deixassem de existir; o transporte fosse eficiente; acidentes de trânsito não ocorressem; máquinas e automóveis fossem ideais de perfeição; e tristeza, melancolia e indisposição fossem características banais de pessoas que não se importam com trabalho.



“Meio-dia e doze”, e o relógio parecia cada vez mais devagar. Só mais três minutos de espera, naquele calor que fazia qualquer um se amargurar de ter que trabalhar com roupa social. Três minutos e estaria livre para resolver qualquer problema que houvesse no escritório, voltando à vida que tinha deixado de lado por quinze minutos para poder fechar o negócio com alguém que não aparecera. Três minutos, era o tempo extra que havia colocado como limite. Era isso, nada mais.

“Meio-dia e catorze”. Agora era uma corrida pelos segundos, mesmo que o ponteiro ainda estivesse sonolento. O mundo ali, girando a grande velocidade, a comunicação e a eletrônica tornando a vida cada vez mais ágil, e o ponteiro se espreguiçando como se o tempo não fosse precioso, não fosse limitado. Não, não esperaria os segundos, afinal já tinha esperado por quase quinze minutos!

Na rua, uma criança de uns oito anos, com roupas sujas e rasgadas, cuja última refeição havia sido um pedaço de pão velho no fim da tarde do dia anterior, pedia dinheiro, desejando imensamente um picolé para atenuar o calor e a fome que sentia. Cinquenta pessoas passaram por ela desde o início da manhã, ignorando-a, outras falando ao celular olhando de relance para ver onde pisavam. Cinco deram moedas. Com pouco mais de um real que tinha conseguido juntar, sob a dúvida da economia ou da satisfação, a criança entrou em uma sorveteria, e, em poucos segundos após o balançar da porta de vidro, todos olharam para ela, com os mais variados sentimentos, vendo a figura que se destacava no estabelecimento. O funcionário deu-lhe o sorvete que queria, desejando imensamente que a criança fosse embora o quanto antes, para que o gerente ou o dono não a vissem e causassem algum constrangimento em expulsá-la.

A criança saiu com um picolé de limão, saboreando cada pedaço daquele mundo gelado de prazer, no dilema substancial que envolvia tomar rápido o suficiente para não derreter tudo, mas o mais devagar possível para aproveitar ao máximo. Aquilo agora era sua vida, que duraria pouco, ela sabia, mas que aproveitaria o possível, já que não tinha a menor ideia de quando poderia ocorrer novamente. O vendedor, de dentro da sorveteria, sentia as mãos atadas.

Dentro do prédio, um homem levantou-se e subiu o elevador de volta à sua sala, no décimo terceiro andar, após catorze minutos e meio de espera.

*Augusto Iglesias é estudante de Medicina e ora ou outra se atreve a escrever. No anseio de ambas as profissões, vai vivendo o dia a dia. Contato: augusto.iferreira@gmail.com


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