Olhar Conceito

Quarta-feira, 01 de maio de 2024

Colunas

Uma história sobre as diferentes vozes que existem, e como elas se relacionam

Arquivo Pessoal

O volume de uma voz pode dizer muita coisa. Se a pessoa é expansiva, de mãos e braços gesticulantes, com a voz acompanhando os movimentos que mais se assemelham a ondas em maré alta, que vêm suavemente no horizonte e chocam-se contra o rochedo da terra firme; ou se a pessoa é mais intimista, mãos no bolso, voz acanhada como se fosse forçada a ser produzida mais por exigência do meio social em que se encontra do que por vontade própria, mostrando que, se fosse deixada por si só, ficaria satisfeita se não fosse perturbada.

Há as vozes mais suaves, delicadas, mas decididas, que conseguem convencer até mesmo Golias a ir preparar uma chá para as visitas da tarde, e depois montar a mesa e sentar-se satisfeito, sem resmungar qualquer ruído bárbaro ou quebrar alguma coisa. Vozes essas que insinuam delicadezas febris ao pé do ouvido, abrindo margens à imaginação e aos anseios, sendo capazes também de quebrar a barreira da hesitação.

Há, também, as mais primitivas, que parecem tão grotescas que o medo e o espanto surgem como que por reação à entonação rústica da voz perdida, como se fosse uma voz tribal, de um povo antigo durante um ritual religioso, rodeado de grandes pedras e fogo intenso, com deuses da natureza lançando raios e trovões, complementando o cenário da chuva e da desgraça em um chão de terra batida em volta de uma floresta densa e desconhecida.

Há as que guardam segredos e instigam o ouvinte a querer conhecer e ouvir mais a voz que se esconde, ora por timidez, ora por diversão. Ela vai desaparecendo por entre fios de uma neblina que se espessa conforme os outros caminham por seus segredos, envolvendo-os sutil e delicadamente até se estar completamente sem norte, mas curiosamente intrigados em querer continuar andando, mesmo sem conseguir enxergar, pisando sobre chão macio como nuvens escuras da noite, em meio ao silêncio do mundo e aos segredos da voz.

Há também as mais despreocupadas, que riem por si mesmas e pelas demais, que ganham a vida e o dia na felicidade em ver um sorriso desconhecido. A melodia que produz é capaz de fazer ver um infinito de possibilidades, de vidas, de situações, como se apresentasse pontos brilhantes em um céu noturno e fosse viajando por entre as estrelas, apontando as diversas galáxias e indo além, sendo capazes de criar a própria realidade e mergulhar todos em suas profundezas irrequietas.

Mas há, também, as silenciosas, que pouco se fazem ouvir, como se não tivessem nada a dizer, como se não estivessem presentes na mesma realidade das demais, estando largadas em um canto, à parte do centro principal. Nessas, a voz predominante apenas observa, deixa-se ouvir, sente a vontade de querer conhecer o que as outras têm a dizer e a imaginar, o que as outras sentem e percebem. Viajam pelas próprias imaginações, complementando o cenário com vozes conhecidas e outras que não imagina o rosto, navegando por um mar que não sabe se haverá terra no horizonte. Nessas, há uma voz predominante que se satisfaz em ser apenas olhos.

*Augusto Iglesias é estudante de Medicina e ora ou outra se atreve a escrever. No anseio de ambas as profissões, vai vivendo o dia a dia. Contato: augusto.iferreira@gmail.com


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