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Quinta-feira, 02 de maio de 2024

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Todo mundo quer crescer; Confira coluna de cultura pop e cult by Rafa Gomes

Embora seja a fase mais fácil e prazerosa, é inevitável para uma criança o desejo de chegar à vida adulta. Em meio à brincadeiras e tranquilidade escolar, todas insistem em correr atrás do tempo, tentando alcançá-lo com todas as forças; tentando senti-lo como se pudesse controlá-lo. Nunca brincamos tanto de ser-gente-grande. Aparentemente, parece muito mais interessante que ser – de fato – uma criança.

Na infância, nada é sagrado, além do tempo. Sem preocupações, a sensação de viver no limite de uma situação terrível ou as pressões do mundo corporativo dos adultos, essa etapa da vida passa num piscar de olhos, para os que estão de fora. E se a vida é, realmente, tão boa como todos dizem – e suspiram ao olhar para trás – porque a ânsia de crescer acomete todo pequeno vivente? Ser criança não é suficiente?

Quando se é criança existem uma série de restrições, naturais da pouca idade. Há coisas que você não deve fazer, não deve saber, não deve conhecer. Para os pequenos, todos os “nãos” são a chave para o sim. Eles dão margem à terrível curiosidade de saber que deve ter algo muito melhor do que já foi apresentado. E essa vontade de sei-lá-o-que, misturada com o desejo de conhecer o mundo como Adão e Eva conheceram – ao provar a fruta da árvore do conhecimento – chega de supetão, sem pedir licença. E, garanto que, se você pudesse desejar algo durante a infância, ia querer ser grande, pra provar do mesmo fruto “maldito”.

Quando Anne Spielberg (sim, irmã de Steven Spielberg) escreveu o roteiro do filme Quero Ser Grande (1988), ela tentou trazer, às nossas vistas, o vislumbre de um sonho antigo. Aquela vontade que todos tem de vivenciar, por pelo menos um breve período, os dissabores da vida adulta. Enquanto o garotinho de 12 anos Josh Baskin (interpretado por Tom Hanks na forma adulta) é impedido de passear em um brinquedo do parque de diversões por sua baixa estatura, o mundo parece entrar em colapso na sua mente. Nada é adequado para que ele possa desfrutar. Baixinho demais, novinho demais para namorar a menina mais velha, infantil demais. Tudo que há de mais “interessante” é também incansável. E ao se deparar com um cartomante daquelas máquinas antigas que adoram pegar nosso sagrado dinheirinho, Josh faz o pedido: quero ser grande. E na manhã seguinte, eis que o garotinho se transforma em um homem de 30 anos.

Sabendo que não pode ficar em casa, onde seus pais jamais compreenderiam, mas sem saber o que fazer da nova vida, Josh vai em direção ao sonho americano sem saber: sai do subúrbio a caminho do universo dos adultos, na cidade grande. Impressionantemente, sua adaptação a esta nova realidade sai melhor do que a encomenda. Ao invés de se sentir um intruso em mundo sério e sem cor, ele consegue se adequar perfeitamente. Com a ajuda de seu melhor amigo, ainda com 12 anos, Josh adquiri o trabalho dos sonhos e começa a trabalhar para uma das maiores fabricantes de brinquedos. Sua mente infantil e inocente, em um corpo adulto, foi de fato útil. Embora tivesse tamanho e compostura de tal, suas ideias e comportamentos infantis o transformaram no pupilo do dono da empresa.

Mas a questão da vida real, aquele contexto onde todos lutam para manter seus empregos, sustentar a família e – com sorte – sobreviver ao fim do mês sem dinheiro, bate a porta de todos, quer esteja pronto ou não. Uma vez que a vida adulta chega, não há como fugir. Você pode evitar, mas sem trabalho você não faz nada. E com isso, todas as demais pressões vem a solavanco. O tempo, tão sagrado durante a infância, se torna uma espécie de obstáculo. Prazos curtos para cumprir, pouco tempo de almoço, férias só daqui há um ano e o fim de semana mais curto que você já viu. Já não parece tão divertido, certo?

À medida que Josh vai se deparando com a dureza da vida adulta, cobranças e exigência de uma maturidade avançada demais para sua compreensão, o que parecia um sonho acaba se tornando um pesadelo. Apressar um processo, que antes parecia ser uma boa ideia, acabou se tornando um tormento. Enquanto todos lutam para se manter em cima o tempo todo, aguentado as pressões do trabalho, a disputa por cargo de importância e lidando – diretamente – com a inveja e ganância em seu nível mais alto, Josh não vê a hora de voltar. O mundo parece muito assustador e talvez grande demais para um ser tão pequeno.

E esse é um dos maiores problemas da juventude, independente de sua época; anos 80 ou anos 2000. Nunca estamos satisfeitos com o nosso tempo. Esse desespero em alcançar algo que não nos pertence e não é necessário por hora transforma crianças em adultos em um piscar de olhos. Perde-se a inocência como se perde uma agulha no palheiro. E uma vez que ela cai, recuperá-la para si é quase impossível. Esta viagem em direção à maturidade precoce é como pegar o expresso da meia-noite. Você nunca está preparado para o que o destino final lhe guarda.



Em Quero Ser Grande, o diretor Penny Marshall nos mostra que bom mesmo é deixar o tempo passar, absorvendo-o conforme sua mente se prepara para o novo, para tudo aquilo que já existe, mas que você ainda não está preparado para conhecer. A passos largos, sem se preocupar em chegar logo ao Momentum, desfrutando a vista da inocência e leveza, sem o fardo da responsabilidade. Se a lição moral do filme fosse seguida a risca pela nova geração, com certeza teríamos menos problemas com os adolescentes, que insistem em ser adultos antes da hora, não aguentam as pressões da vida real e acabam por dar um fim trágico a histórias recém-começadas. Talvez, devêssemos crescer menos. Ou mais devagar.

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