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Quinta-feira, 02 de maio de 2024

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Doentes por produtos e drogados por ilusões perdidas

Arquivo Pessoal

Somos apenas drogados ou doentes?  Ligamos a TV, assistimos a nosso programa favorito e compramos suas propagandas. Fantástico, TV globinho, Silas Malafaia, RR Soares, Edir Macedo, Canção Nova, Ídolos, Ridículos, The Voice Brasil, Huck, Faustão, Latino, realidade do cão! Abra os olhos e acredite no que VEJA. Jornais impressos, impressões de realidades mentidas e vendidas. Sinta-se são e lúcido lendo toda notícia. Sinta-se são desejando um novo carro, cigarro, bebida, roupa, chinelos e cuecas. Um novo cabelo, um novo visual, novos estilos e comprimidos. Vamos passear no shopping, a floresta encantada onde tudo que se vê se quer comprar. Vamos ao “fast food”, escolher nossa droga de alimento. Vá à farmácia da esquina e compre remédios. Uma caixa de remédios ou uma caixa de ilusões?
Remédios para dormir. Remédios para ficar acordado. Remédios para pensar. Remédios para engordar. Remédios para emagrecer. Remédios para viver. Remédios para morrermos. Vá ao mercado, compre tudo que assistiu na TV, compre o que beber e o que comer, compre coisas que nem vai usar até se fartar ou enfartar. Quer uma droga de verdade, cocaína e maconha, peça no “delivery”, peça pelo disk entrega ou vá na quebrada. Essas são drogas de verdade porque as demais são todas de mentiras. Drogas, uma fuga ou uma busca? Uma Clínica de Saúde, uma casa de cura ou de vícios estéticos?
Um bar, um lugar de fuga ou de busca? Uma cerveja, para relaxar ou para drogar? O choppinho do seu “happy Hour” é sua hora feliz, a hora de fugir do seu trabalho para beber, entorpecer e se esquecer de sua dura “realidade”. Esquecer que você tem esposa, esquecer que você tem filhos, esquecer que você tem provas, esquecer tudo que não quer lembrar por obrigação. Nosso lazer nacional nos entorpece. Futebol, um esporte ou um espetáculo assistido por doentes? O vício de matar e se matar por bandeiras futebolísticas são sinais de sanidade mental? Uma igreja, um lugar de pessoas sãs ou doentes? O próprio Cristo disse que não veio para os sãos, mas para os doentes. Marx disse também que “a religião é o ópio do povo”. Eis a questão inicial, somos apenas drogados ou doentes? Doentes por produtos. Drogados por ilusões perdidas. A realidade é entorpecente. Você é são? “Mente sã, corpo são”, quem te mentiu isso? Qual é sua droga favorita? Sua mentira favorita? Sua máscara favorita? Todos nós temos um remédio para o nosso tédio. Anfetaminas, cocaínas, tabaco, álcool, cigarros, games, novelas, esmaltes, tinta de cabelo, televisão, pastores, propagandas, padres, professores, tudo nos entorpece. Entorpecentes e dementes. Tudo é viciante. Qual é a diferença entre um narcótico e um neurótico? Qual é diferença entre a patologia de ser normal ou anormal? A normalpatia virou vício hoje em dia. Na modernidade é vício ser igual, homogeneizar-se na multidão de “normais” e dos ditos “sãos”. Temos que ser iguais perante a lei e perante o consumo das propagandas. Todo mundo consome alguma droga todos os dias. O que varia é apenas o grau de toxidez e a norma.
Drogas legais e ilegais, todas legais. Ficar legal. Dormir legal. Andar legal. Vestir legal. Comer legal. Um carro legal. Uma grife legal. Uma aparência legal. Viver legal e morrer legal. Nos “legalizamos” como doentes. Nos legalizamos como dependentes. Nos legalizamos como fugitivos em busca da terra do nunca. Somos tantas Alices no país das maravilhas. Queremos viver como super-heróis. Cada um tem sua poção mágica. Suco Gummy, espinafre, inventamos nossa própria roupa do Batman e nosso avental do Super-Man. Queremos asas. Queremos ser fortes. Somos fracos em todos os sentidos. Somos dependentes químicos. Somos dependentes da mídia. Somos dependentes de um professor. Somos dependentes de um médico. Somos usuários das propagandas e dos telejornais. Usamos a internet ou ela que nos usa? De tudo que usamos, alguma coisa nos preenche ou nos esvazia? Não temos vícios? Temos vícios até de linguagem. Temos vício de olhar para a bunda da mulher do próximo se ele não estiver próximo. Temos vícios de sacanagens. Temos vício de comida e de bebida. Queremos água, queremos refrigerante, queremos salgadinhos, queremos sexo, queremos o direito de querer. Queremos o direito de viver sem droga alguma. A vida sem drogas é possível? Existe alguém sem vício? Por favor, não me responda com seus vícios de linguagem! Se toda droga é ruim, então o que nos faz querer viver assim entorpecidos?

*Reinaldo Marchesi – viciado em escrever e em outras coisas.
É professor universitário, mestre em Educação pela UFMT (linha: Cultura, Memória e Teoria em Educação). Pesquisa no campo da Filosofia da Educação. Leitor de Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida [Os malditos da filosofia]. Escreve todas às sextas-feiras na coluna Filosofia de Boteco

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