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Quarta-feira, 01 de maio de 2024

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Uma história sobre o Natal e as dúvidas de Papai Noel

Arquivo Pessoal

Descendo correndo uma ladeira de neve sob forte vento branco, o bom velhinho, como era chamado por muitos, sentia-se cansado. Parou ao pé do morro, ajoelhou-se na neve, tirou o gorro vermelho da cabeça e ficou alguns minutos respirando, coração acelerado. A uns trezentos metros à sua frente via-se um pequeno iglu, que ele conhecia muito bem.

Entrou no iglu, agachado e percebendo que precisava aumentar o tamanho da entrada de novo, mas apenas o suficiente para que ainda não chamasse a atenção caso alguém passasse por ali, e sentou-se em uma confortável poltrona de couro marrom, à direita da entrada. Rapidamente sua mão repousou sobre um abajur que estava em cima de uma pequena mesa redonda de madeira ao lado da poltrona. A mão abaixou levemente a parte superior do abajur e a girou o equivalente a um quarto do relógio. Silenciosamente, a poltrona e o abajur começaram a descer na neve fria.

Mais um Natal estava chegando, milhões de cartas haviam sido recebidas, e ele começava a sentir-se muito cansado, em parte pela idade, em parte pela quantidade de serviço. A barba branca movia-se lentamente com o passar da mão áspera sobre ela.

Todo ano os duendes faziam um ótimo serviço ajudando nos presentes, fosse em fabricação ou embrulhando e colocando-os nas sacolas de algodão vermelho com fios dourados do Papai Noel. Todo o Grande Salão, uma área grande o suficiente para ocorrerem quatro jogos de futebol e três de beisebol ao mesmo tempo, estava repleto de duendes vestidos em verde. E o bom velhinho começava a ficar desanimado com isso.

Com o passar dos anos percebeu que os presentes foram tomando outras formas. O que antes eram brinquedos de carrinho e aviões, hoje eram celulares e video-games que simulavam carrinhos e aviões. Mas não era simplesmente a evolução da tecnologia que o desanimava. Embora entendesse que as crianças passavam mais tempo com as telas brilhantes e os controles eletrônicos na mão, em tempos passados a diferença é que não havia tanto papel da ciência, ficando mais a cargo da imaginação o trabalho de brincar por horas a fio.

Contudo, parecia que as crianças estavam mudando. Não pelo fato de viverem em uma nova geração, mas estava ficando mais evidente que elas se preocupavam mais em conseguir aquilo que queriam, que, em geral, possuía valor de mercado mais alto do que o bom senso julgava adequado, do que conseguir algo. Ganhar o video-game significava mais do que ganhar um presente, o que, por sua vez, superava enormemente o fato de que alguém havia se preocupado em lhe dar um presente.

Valia à pena, então, o que ele fazia?

Por muitos meses esteve se perguntando sobre isso; o que significaria seu próprio trabalho, o porquê de fazer aquilo todos os anos, o porquê de se preocupar – estava ficando desanimado… Seria melhor parar?

– Papai Noel! O senhor recebeu novas cartas! – disse um duende correndo com as mãos segurando dezenas de papel branco, com as mais variadas cores de tinta de caneta e formas de desenhos.

O bom velhinho pegou o monte e colocou sobre o colo. Olhou a primeira carta sob os óculos da idade, e letras redondas e um pouco desajeitadas com a caneta surgiram.

“Querido Papai Noel,

Meu nome é Angélica, tenho 9 anos e eu queria pedir só uma coisa para o senhor. Eu sei que o senhor trabalha muito e que deve ter um montão de criança por aí para o senhor entregar presente. Por isso eu só queria pedir para o senhor uma coisa. Se o senhor ver meu pai por aí, pede pra ele voltar pra casa, porque sinto muita falta dele, e já faz alguns anos que não vejo ele. O senhor pode falar com ele? Eu sei que a mamãe não gosta muito dele, mas é só um dia, e acho que ela vai entender. É só isso, Feliz Natal, Papai Noel!”.


Em algum lugar do mundo, um bom homem entrou em um elevador e a mão rapidamente subiu para um botão. A porta se abriu para uma grande sala bem iluminada de um apartamento com várias pessoas desconhecidas, que, para ele, nada significavam. Já estivera ali antes e conhecia bem o lugar, mas já fazia muitos anos que havia saído, forçado a largar tudo… As mãos carregavam um presente embrulhado em papel vermelho com listras douradas e um bonito laço de fita verde, e, por cima, uma carta com letras redondas e um pouco desajeitadas.

*Augusto Iglesias é estudante de Medicina e ora ou outra se atreve a escrever. No anseio de ambas as profissões, vai vivendo o dia a dia. Contato: augusto.iferreira@gmail.com


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