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Quinta-feira, 02 de maio de 2024

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Corações sujos: Beleza e barbárie da história japonesa no Brasil

Arquivo Pessoal

Corações Sujos, dirigido por Vicente Amorim, fez-me querer ler o livro reportagem homônimo, de Fernando Morais. Como não se interessar pela história da colônia japonesa no Brasil, que após a Segunda Guerra reluta em crer na rendição incondicional de seu poderoso exército imperial, e principalmente, seu líder, o imperador Hiroíto?

Lançado em 2012, o filme desenrola-se todo no Brasil e começa, assim como o livro, com um episódio singular desta história, quando alguns poucos japoneses invadem uma delegacia de polícia para decapitar o policial que achincalhou a bandeira nipônica. Desde o início, já é evidenciado o caráter de nacionalismo exacerbado, um tanto fascista, que norteará as ações dos personagens. Logo esse grupo de japoneses sinceros, como todos os fanáticos, dá início à caçada aos derrotistas, que aceitam e propagam a informação da rendição do Japão. Estes são vistos como bichos, têm “corações sujos”.

Toda adaptação tende a ser duramente criticada, na transição da literatura para o cinema. Algumas críticas são justas, outras ingênuas. Vicente Amorim arrisca ao transpor a obra como ficção. O nome da sociedade secreta Shindo Renmei nem chega a ser citado. Diretor e roteirista propõem que o olhar seja voltado para a questão humana de seus poucos personagens (número ínfimo se comparado como o seu referente na obra original), em detrimento da relevância histórica contida no livro. Mais do que acerto, ou erro, é uma opção bem pessoal, uma resposta inteligente à problemática de se adaptar uma obra da envergadura de Morais. Escolha mais óbvia seria um documentário, que poderia se perder em superficialidade diante de material tão vasto, além de se explorar uma pesquisa já pronta. É por isso que a construção de roteirista e diretor revela um tom de autoria ao negar o documentário como opção.

Essas prováveis intenções se concretizam bem, e cabem aqui elogios à fotografia assinada por Rodrigo Monte, bem como à direção de arte de Daniel Flaksman, que compõem com bastante beleza o quadro onde serão impressas cenas de violência com doses exorbitantes de drama. Todos os tidos traidores podem escolher o honroso suicídio, redimindo a vida pela morte. Alguns excessos podem ser detectados na trilha sonora, mas não chegam a ser grosseiros.

O longa se faz válido, antes de tudo, por conseguir expressar de forma verossímil, pouco caricata, o advento de um movimento espúrio, como fez Fellini, em “Amarcord”, Bergman em “O Ovo da Serpente”, e mais recentemente, Haneck com “A Fita Branca”. Quem esperar um registro histórico deve apelar para obra de Fernando Morais, que aprovou a adaptação.

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