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Quinta-feira, 02 de maio de 2024

Colunas

Uma história sobre o Ano Novo e a espera por coisas boas

Arquivo pessoal

Antônio fazia os preparativos para a virada do ano. Tudo tinha que estar perfeito para que, quando o relógio indicasse meia-noite e o mundo passasse a viver em um novo calendário, e estando auxiliado por toda uma ordenação das estrelas e dos planetas – que, se não gostassem muito dele iriam fazer de sua vida um inferno ainda maior – tudo estivesse na maior perfeição para receber a benção dos deuses. Para ele era importante que viesse a ter uma pequena ajuda do acaso, já que, ao longo dos seus trinta e dois anos de existência, sua vida tinha sido um azar pacato, como se estivesse um um barco à vela em alto mar sem vento.

Não que ele fosse completamente infeliz – tinha um emprego, havia iniciado uma faculdade, conheceu uma mulher especial, teve um filho, tinha uma casa pra morar...

Seus dedos brincavam com uma lentilha, preocupados.

Ele não pedia muito aos deuses – a pluralidade era resultado de anos de insatisfação com o atendimento ao fiel –, mas apenas que tivesse um trabalho que gostasse, dinheiro para poder pagar a faculdade e, assim, não precisar abandonar o curso, que a mulher não tivesse separado dele no segundo ano de casamento, que o filho desse notícias em algum momento, já que fugira de casa, ou mesmo que ele não morasse de favor na casa de sua tia, que o aceitava porque seria desumano deixá-lo na rua.

O relógio se aproximava de meia-noite. Faltavam cinco minutos, e tudo parecia em ordem. Quanto à cor da roupa, escolheu para a camiseta e a calça o tradicional branco, pedindo, em dobro, paz de espírito. Queria também um trabalho que lhe agradasse, que não fosse noventa por cento do tempo contando as horas para ir embora do escritório. Queria uma vida decente.

A contagem regressiva começara, e Antônio ficou à espera, dizendo baixinho os segundos junto com a televisão. Os últimos dez segundos do ano, a expectativa de mudança para um novo dígito e uma nova vida; um novo ano para poder ter a chance de recomeçar e de talvez conseguir ser feliz novamente.

E então era meia-noite, e o país inteiro festejava, enquanto ele corria para fazer todos os rituais. Quando terminou a última lentilha e a última uva verde – pena que não estava na praia –, ficou a olhar para o céu colorido por fogos de artifício. Era bonito até, mas queria receber a benção dos deuses, e não sentia algo parecido com isso. Estava em pé no gramado do quintal da casa, olhando para o vazio infinito das estrelas e não sentia nada, além de ansiedade e preocupação crescente. Começou a ficar impaciente e nervoso, os próprios deuses haviam lhe abandonado, e não apenas os pais quando ele tinha quatro anos de idade e eles perceberam que um filho dava muito trabalho e despesa para cuidar.

Sentou na grama, ainda olhando para o céu noturno. Resolveu esperar pela boa sorte e torcer para que viesse logo, ficando assim durante várias horas, enquanto o mundo vivia os primeiros momentos do ano como se cada segundo fosse o último.

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