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Domingo, 05 de maio de 2024

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Uma história sobre possibilidades e sonhos mortos

Arquivo Pessoal

José Paulo, em seus trinta e sete anos, era um escritor renomado e conhecido mundialmente. Sua primeira obra-prima, lançada quando ele tinha trinta e dois anos, logo após ter se separado de um complicado casamento que não trazia felicidade a mais ninguém, nem mesmo ao pequeno cachorro do casal; e de ter trocado de emprego – saíra de um que já estava há onze anos, mas que nunca havia gostado de verdade –, fora um sucesso em apenas dois anos, quando o jornal The New York Times apresentou a versão traduzida para o inglês de sua obra em uma das primeiras colocações dos livros mais vendidos. Ele estava satisfeito e surpreso, já que nunca imaginara que aquela vontadezinha de escrever que ocorria aos finais de semana pudesse um dia resultar em um livro, ainda mais um tão bem sucedido e tão querido pelos leitores. Ultimamente tem, inclusive, dedicado-se mais à escrita e à leitura, coisas que têm feito cada vez com mais prazer.

Ana Rita, doutora em física e com cinquenta anos nas costas, mãe de dois filhos e apaixonada pela ciência, fez a descoberta mais importante de sua área dos últimos oitenta anos, com grande aplicabilidade na área espacial, permitindo viagens tripuladas mais distantes; na área teórica, criando novos questionamentos e quebrando paradigmas; e na área de tecnologia em geral, por permitir a criação de novos equipamentos superpoderosos, mais eficientes e econômicos, com gasto energético quase nulo. Foi premiada alguns anos depois com o tão prestigiado prêmio Nobel, mas não se sabe, entre a descoberta e o prêmio, qual dos dois foi mais importante para sua carreira, sob a vista dos outros. Para ela ainda eram mais importantes a curiosidade e o amor pelo que fazia.

Teixeira, nome pelo qual era conhecido por assim assinar seus famosos projetos de arquitetura, era, antes de seguir o sonho pelo que agora se dedicava, mais um vendedor em uma loja de roupa de um movimentado shopping center da cidade. Nunca havia levado à sério sua paixão por arquitetura, e acreditava que uma "vida de desenhos" não lhe traria dinheiro para pagar as contas de casa. Um dia fez um esboço, como que por diversão, de uma bonita casa em que estava pensando nos últimos dias, e a mostrou a um amigo, que o incentivou o suficiente para que seguisse sua vontade e a ponta do lápis. Hoje, seus projetos, considerados futuristas e inspiradores, são motivo de orgulho e dedicação.

Contudo, José Paulo, o famoso escritor, nunca largou o emprego e o casamento – seu medo pela incerteza, tanto sua, quanto de como a sociedade reagiria, era maior do que a vontade de fazer o que queria. Não virou escritor, embora tenha esboçado alguns rascunhos e logo os tenha abandonado na gaveta devido ao trabalho no escritório cada vez mais exigente, o que lhe tomava todo o tempo e disposição, e o mundo nunca conheceu sua obra-prima.

Ana Rita, a ganhadora do prêmio Nobel, jamais estudou além do primeiro ano do ensino fundamental, já que a escola rural do interior do sertão nordestino brasileiro ficava a quinze quilômetros de sua casa, e não havia meio de transporte que não fosse a pé sob o escaldante sol desanimador. Não tinha interesse suficiente na educação – ou não sabia que tinha – para lhe motivar a fazer o percurso. Além disso, a escola não oferecia estudos além do primeiro ensino fundamental, de modo que teria que se mudar para a capital para, um dia, poder fazer faculdade. O financeiro também a impedia.

Teixeira, o habilidoso arquiteto, nunca exerceu a profissão de fato. Aos dezenove anos seu país entrou em guerra e ele foi convocado a empunhar o fuzil e lutar contra outros sonhadores, derramando sangue e lágrimas, desarmando famílias que perdiam maridos e filhos. Morreu em guerra, e há quem diga que ele cumpriu seu dever cidadão com honra, embora a guerra não tenha trazido prosperidade, esperança ou paz a nenhum dos países envolvidos. A honra que dizem parece ser apenas lágrimas derramadas em vão, e um futuro que nunca se realizaria.

Nesses medos do insucesso social, nessas injustiças do descaso, nessas guerras do poder egocêntrico, o mundo vai vivendo a longos passos curtos de progresso sua ciência e humanidade.


*Augusto Iglesias é estudante de Medicina e ora ou outra se atreve a escrever. No anseio de ambas as profissões, vai vivendo o dia a dia. Contato: augusto.iferreira@gmail.com

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