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Domingo, 05 de maio de 2024

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Cultura pop e cult: O desastre do verão de 83

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Boas férias merecem momentos memoráveis. Cada foto, lembrança ou fragmento daquele período precisa te remeter à alguma coisa. Para a maioria de nós (se não todos), o verão precisa ter a tarja de “inesquecível” sobre. Caso contrário, ele será tão irrelevante como o resto do ano em que ficamos – ansiosamente – aguardando sua chegada.

Como o momento é propício, nada mais coerente que abordá-lo. O verão é aquela “coisa”, aquele aglomerado de dias onde não há preocupações, a família toda se reúne para as comemorações de fim de ano e todos saem para curtir o sol, praia ou um simples e bem-vindo descanso. É a época ideal para nada de extravagante e tudo de divertido acontecer. Mas férias em família, para os que ainda a praticam, não podem ser consideradas férias sem uma boa história. É o que a torna exatamente inesquecível.



De primeira, a ideia parece boa. Afinal de contas, o que pode dar errado em uma viagem de carro com a família? Enquanto muitos preferem o conforto e a “segurança” do avião, ainda existem os apaixonados irremediáveis, que não resistem ao embalo das estradas. Isso é comum tanto aqui como fora do país. O espírito da road trip (viagem de carro) é algo que encanta, de maneira especial, os americanos. Nós gostamos, adotamos e com muito entusiasmo embarcamos nessa. Mas para eles, o significado transcende o de vamos-curtir-as-férias-de-carro-por-conveniência. Embarcar em uma road trip é sinônimo de que algo grandioso está para acontecer. Pela primeira vez, você verá a América através de suas rodovias.

Com a típica família Griswold tomando a brava decisão de pegar a estrada em direção ao Walley World, o Parque de Diversões Favorito da Família Americana, a expectativa passa a girar em torno do que está por vir. Mas enquanto os filhos anseiam pela chegada – inquietude natural de todos aqueles que não são tão sensíveis aos encantos da estrada – o patriarca Clark Griswold (Chevy Chase) é adepto da seguinte premissa: o caminho é mais importante que a chegada em si. Interessante teoria, principalmente quando o desastre bate à porta na comédia Férias Frustradas (1983).

O reconhecimento de nós mesmos em um filme é um aspecto que revela o tamanho da relevância da história para o espectador. Se há alguma semelhança, um certo carisma que atraia a atenção pela proximidade com aquilo que está sendo contado, fica fácil se apaixonar pela obra. Em Férias Frustradas vemos o retrato usual, porém inusitado, de uma família comum do subúrbio. É fácil se enquadrar, se posicionar como parte do clã dos Griswold.

A família composta por quatro membros, o pai Clark, a mãe Ellen (Beverly D’Agenlo) e os filhos Rusty (Anthony Michael Hall) e Audrey Griswold (Dana Baron) são o ideal da “família feliz”, que sai de férias, canta canções insuportáveis no trajeto do carro e sorri demasiadamente. De certa forma, todos se relacionam a eles. E mesmo sem este estilo familiar, toda criança associa esta viagem à aventura que – secretamente – todos queriam ter. Embora alguns aspectos da trama não façam sentido para os olhos infantis, tudo parece estranhamente divertido, o que nos faz desejar estar ali.

Mas ao contrapor esse formato enlatado dentro do cinema familiar (ainda que haja uma certa censura, devido à algumas cenas de nudez e “material perturbador”), o cineasta John Hughes – que à época dava seus passos em direção ao estrelato – nos mostra que nada é garantido e que qualquer coisa pode estar prestes a ruir. A família ideal nem sempre é resistente a tudo e este tudo é posto a prova durante as peripécias mirabolantes que acontecem ao longo da viagem. Da morte da tia Edna dentro do carro (Imogene Coca) –que embarca no meio do trajeto – à presença de uma jovem destruidora-de-lares, disposta a conquistar o inocente e até bobo Clark, o filme nos traz à cruel realidade de que família perfeita não há. Os Griswold saem de um jeito, mas voltam completamente diferente. Estão unidos, mas a inocência boba e quase irritante, no melhor estilo The Brady Brunch (A Família Só-Lá-Si-Dó, série dos anos 70 que norteia o perfeito lar americano), se perde, dando lugar a uma família honesta, sem fantasia.



Essa quebra do perfeito, trazido dos anos 50 e 60, dá espaço a uma das características mais intrínsecas dos anos 80: a mudança universal. Mudança na consistência familiar, a entrada da rebeldia juvenil no lar perfeito, as transformações eletrônicas e estruturais tanto em âmbito cultural como político-social e o colapso do ideal da perfeição – que começa a ruir em meio a uma irreverência de estilo. Hughes mostra que toda família guarda suas ressalvas – exceções que fogem do imaginário ideal – e que há muito mais por detrás do retrato de natal. E não há nada de errado em mostrar essa suposta incoerência, natural de todo lar. Em uma época onde a família persistia em ser elevada ao status de perfeição, o cineasta nos leva ao cru e real, mostrando que todo lar possui suas rachaduras e que talvez sejam elas que ajudam a tornar toda viagem de férias em uma aventura memorável.

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