Olhar Conceito

Domingo, 05 de maio de 2024

Colunas

Um Mestre das Ruas, formado como Contador de Moedas

Quantos gigas de memória você tem na cabeça? Dias atrás fui abordado abruptamente por um sujeito na rua que me perguntou sobre isso. Um senhor todo sujo e maltrapilho. Cego do olho esquerdo. Formado em Contabilidade. Fumador de Crack assumido. Ex marido. Um traído que vive sem lar. Aliás, a rua do bar é seu lar. Disse que leu a coleção toda de Jorge Amado. Mais de vinte livros, falamos até de Capitães da Areia. Jorge Amado? Fiquei admirado.

Um senhor de palavras certas e pontuais. Conjugava corretamente todos os verbos. Plural. Singular. Vírgulas. Acentos e exclamações. Cada vogal corretamente. Daria aula para qualquer professor. Deu tempo de falar até da corrupção da Copa do Mundo. Na Copa no Pantanal, tudo irá por água abaixo. A Copa será um fracasso, concluiu ele.

Um fracassado formado, mas muito bem informado sobre literatura, política e futebol. Falamos até da cirrose de Mané Garrincha. Simples e humilde.

Disse que se diplomou em contabilidade no início da década de 80. Tempo que não existia computador e contador fazia tudo de cabeça. Falou que se formou em Ciências Contábeis para aprender a contar suas moedas. Disse isso olhando para suas moedinhas na palma das mãos. Nessa hora rimos feitos dois bêbados. Estávamos quase no mesmo nível alcoólico.

Algumas perguntas desses desajustados nos tiram do lugar. Fritam nossas cabeças.

Voltando a pergunta inicial do texto: Qual seria nossa capacidade de informação?

Qual é a diferença entre um Terabyte para um Tebibyte? Qual é a memória? Qual é a história contida em seu Hardware?

Nesse mundo tecnológico estamos nos preocupando muito com essas ferramentas de armazenamento de informações: Pen drives, cartões de memória. Hd’s e Cds. Guardamos tudo microscopicamente. Livros. Filmes. Músicas. Imagens e fotos.

Milhares de informações comprimidas. Números, códigos binários, letras, conectores. A vida passa e não há tempo para consumirmos todo esse mar de informação. Isso que deixa as pessoas à deriva, elas se perdem no mar de coisas. Confundem conhecimento com informação. Do real para o virtual. Virtualizamos o conhecimento em pequenas partículas. Micro chips eletromagnéticos são conhecimentos sintéticos que guardamos no bolso. Aquilo que ouço, está no meu bolso. Saber é poder. Acumular não! Nunca confundas o disponível com a disponibilidade. Compulsivamente acumulamos e não usamos. Falhamos em nossa memória artificial.

Armazenar, essa é a palavra da síndrome dessa nova geração. Os jovens de hoje são grandes armazenadores. Macbook's. Iphone's. Smartphone's. Galaxy 4. E-books são truques. Deter muita informação não nos torna sábios em nada. Ledo engano. Sem usar, consumir e digerir, deter nem sempre é poder. Um computador cheio para uma pessoa vazia é como uma linda biblioteca de livros novos desses advogados engomados em início de carreira. Sabedoria vem de livros velhos, riscados e amassados. De nada vale seu livro novo para enfeitar seu escritório sendo comido por traças no vão de uma estante. De nada vale seu Pen Drive. A internet de 20 mega. Nem sempre velocidade mede sua capacidade.

A conversa com o maluco de rua se estendeu entre nós, pois a loucura humana é sempre um tema que muito me interessa. Os loucos são os desajustados como bem disse Jack Keroac. “Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que veem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o ‘status quo’. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para frente. E, enquanto alguns os veem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam”.

Tudo que passa por nós faz parte de nossa vida. Pelos olhos e vísceras. Existe uma grande diferença entre guardar dentro e guardar fora. O de dentro está em nós e não em canetas virtuais. A informação que carregamos no peito ninguém transformará em vídeos no Real Player. Nossas histórias nunca serão escritas no Word. Aquilo que olhamos nunca será arquivo JPEG ou GIF. As narinas, por exemplo, um computador não guarda a informação de um suspirar, do ar de um perfume. Um espirro, outro exemplo, como arquivar essa sensação? O paladar de apenas uma língua tem mais informações que a Google inteira. Inexplicável é o sabor de um beijo. Em todos os sentidos. Imensurável. Que computador guarda o gosto de um beijo?

*Reinaldo Marchesi - É professor universitário, mestre em Educação pela UFMT (linha: Cultura, Memória e Teoria em Educação). Pesquisa no campo da Filosofia da Educação. Leitor de Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida [Os malditos da filosofia]. Escreve todas às sextas-feiras na coluna Filosofia de Boteco.

Comentários no Facebook

Sitevip Internet