Olhar Conceito

Domingo, 05 de maio de 2024

Colunas

Ó capitão, meu capitão!

Arquivo Pessoal

Quero ilustrar a questão do conformismo. A dificuldade em manter as crenças diante dos outros. Como é difícil, por tantas vezes, se defender ou – pelo menos – defender uma posição em frente aos demais. Sejam estranhos ou conhecidos. As duas primeiras sentenças não são minhas, mas as tomo para mim. Quem nunca passou pelo constrangimento pessoal de não dizer aquilo que quer dizer, por um puro capricho da falta de compreensão alheia? Certa vez, mais precisamente, em certo filme, o personagem de Tom Cruise disse: “vivemos em um mundo cínico”. De fato, isso é verdade. Nos habituamos em estar em uma condição deveras confortável, cômoda. A situação do silêncio, em que pensamos, mas não falamos, sonhamos, mas tememos não realizar, montamos resoluções de ano novo, mas nada mudamos. De fato, vivemos em um mundo cínico.

Os adultos compreendem isso melhor do que os mais novos. E a medida que os jovens vão adentrando nesse “universo de gente grande”, eles passam a sentir um pouco na pele essa terrível experiência de não dizer o que se quer dizer e não realizar aquilo que se sonha. Mas para as crianças, tudo deve ser dito. Sem dominar a arte do cinismo, do conveniente, eles colocam para fora tudo acumulado no interior. Talvez seja por isso que sejam criaturinhas tão apaixonantes. Suas verdades sobrepõem as mentiras que contamos quando adultos.

Quando um professor do Ensino Básico recebe a missão de ensinar, ou seu cumprimento desta será memorável, ou deplorável (dramático, eu sei, mas sejamos suaves ao dizer “esquecível”). Na universidade, somos levados pelo ímpeto do “penso, logo existo” de René Descartes. Na escola, isso não faz diferença. Estamos mais preocupados em entender o teorema de bháskara do que compreender a complexidade em crescer e se conhecer. Não que matemática seja irrelevante, mas não seria esclarecedor ir mais a fundo dos números, compreendendo o homem como parte de uma sociedade tão confusa, complexa e – por que não – cínica?

]

John Keating foi o tipo de professor que eu sonhei ter a vida inteira. Não na universidade, pois lá é o reduto de Johns Keatings. Mas na escola. Naquele ambiente terrível, onde os mais fracos são sufocados pelos mais fortes, naquele complexo de Reino Animal que tanto conhecemos. Queria um John Keating, pra acordar a minha pequena voz abafada pelo constrangimento, pelo silêncio, pela escrita guardada na gaveta da minha escrivaninha. Para aqueles cuja lembrança falha, John Keating foi o professor-maestro, que induziu uma turma de jovens da tradicional Academia Welton a desafiarem o status-quo, “a modinha” e o tradicionalismo boçal imposto pelos fundadores da instituição. Com mais clareza, John Keating é o “ó capitão, meu capitão!” do poema de Walt Whitman, o mentor da Sociedade dos Poetas Mortos (1989).

O filme A Sociedade dos Poetas Mortos é um daqueles breves espaços no tempo onde não há som, não há ruído, não há baderna. O tempo meio que para, estaciona durante suas pouco mais de duas horas de duração. Na minha romântica concepção, o universo congela enquanto as maiores lições de vida são passadas quadro a quadro. O professor Keating (Robin Williams), anteriormente um aluno da conceituada escola para meninos, traz aos jovens de 1959 (ano em que a história se passa), a importância do não – quando conveniente – e a beleza do sim. Mais do que literatura, o professor ensina a irreverência, a paixão pela vida, a arte de desfrutar no íntimo cada verso dos poemas mais famosos que aprendemos na escola, mas quase não entendemos. Ele disseca o ser humano, partindo da essência de conceituados escritores da literatura inglesa, como o próprio Walt Whitman, Byron e Henry David Thoreau. Ele dita o Carpem Diem(aproveite o dia), mostrando que é necessário valorizar o “momentum”, não deixar passá-lo. Sem o hedonismo dos dias de hoje, mas com a pureza da importância que todos deveríamos dar ao presente. Sábio Keating.

A Sociedade dos Poetas Mortos é formada por sete adolescentes da mesma turma. Acostumados com o “sim, senhor!” e pouco habituados a serem ouvidos – genuinamente, por suas vozes, pensamentos e ambições - Todd A Anderson (Ethan Hawke), Neil Perry (Robert Sean Leonard), Steven K C Meeks Jr. (Allelon Ruggiero), Charlie Dalton (Gale Hansen), Knox T. Overstreet (Josh Charles), Richard S. Cameron (Dylan Kussman) e Gerard J. Pitts (James Waterston) se reúnem às escuras, declamam poesias famosas, sonham sobre seus futuros e discutem a raridade de se afirmar. Pela primeira vez, vozes caladas ganham espaço. E como sempre, o não-convencional incomoda, mas é necessário.



A maioria dos pais não está preparada para ver os filhos, durante o ensino básico, fazerem suas próprias escolhas determinantes. Acostumados com o mudar de opiniões tão constante da adolescência, é espantoso ver alguém tão jovem decidir o que quer antes dos 18 anos. Muitos nem sabem que faculdade cursar na chegada do Ensino Médio. Decidi por Jornalismo aos 13 anos de idade. Fui docemente ignorada, com um tapinha nas costas do tipo “ela não sabe o que realmente quer”. Mas eu sabia e cá estou. No filme, a mesma premissa se repete (de fato, antecede, pois a obra surgiu no ano do meu nascimento). Conforme os membros da sociedade vão descobrindo que há muito mais do que o aclamado curso de Medicina (até hoje ovacionado), cada qual percebe o que realmente ama. Percebe que jamais havia sido questionado sobre qual caminho seguir, que nunca havia sido perguntado sobre que pessoa quer ser. E quando descobrem, um novo mundo se abre.

A dificuldade de muitos em entender que, muitas vezes, o jovem sabe o que quer, gera aquele tipo de problema com o qual tantos adultos hoje convivem: a infelicidade. Pessoas não realizadas, frustradas, deprimidas, deprimentes. Se fossemos cada vez mais encorajados a dizer o não dito, a sonhar o impossível, a realizar o sonhado, viveríamos em um ambiente mais real, mais leve. Isso não é discurso de miss, do tipo “A Paz Mundial”. Isso é piegas ao extremo. Mas é aquele tipo de discurso que todos guardam para si. Aquela certeza de que o questionável para os outros lhe parece o certo. A questão de ir contra a maré, de decidir por você e não pelos outros. Talvez, só talvez, se exercitássemos isso mais vezes e mais cedo, viveríamos em um mundo mais realista, menos plástico, menos cínico.

Comentários no Facebook

Sitevip Internet