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Domingo, 05 de maio de 2024

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Os muros que nos separam dos mundos que nós vivemos

Arquivo Pessoal

As cidades muradas da Idade Média eram constituídas para proteger suas comunidades do invasor, da barbárie. Em pleno século 21 convivemos com os muros de nossa história contemporânea. Há um Muro de Berlim bem perto de mim em cada cerca farpada que vejo. O Muro de Berlim que separava a Alemanha em duas (Capitalista e Socialista), foi derrubado na década de 80 do século passado. No entanto, em muitas regiões do planeta cercas e muros com extenso policiamento e alta tecnologia continuam separando pessoas por diversos motivos, geralmente ligados à questão econômica ou étnica.

Evitar imigrações, conflitos, terrorismos, contrabandos, são coisas que justificam a criação de novas barreiras. A função comum de todo limite imposto é "tentar impedir, de modo absoluto, a transposição, pela população, da fronteira entre duas unidades políticas distintas". Muros construídos por Israel na Cisjordânia, no lado leste da Palestina e Estados Unidos, na fronteira com o México. A Europa constrói muros para barrar imigrantes. Milhares de pessoas já morreram nessas trincheiras.

Dos muros do Brasil, sobre o Capitalismo Ecológico das Favelas no RJ, Mike Davis comenta que os favelados sabem que são a “sujeira” ou a “praga” que seus governos preferem que o mundo não veja. As favelas são o sintoma da globalização capitalista. Elas não fazem parte de um projeto social que deu errado ou um acidente no processo de distribuição de renda e espaço. Pelo contrário, as favelas são o resultado necessário diante do processo de concentração e centralização da riqueza. Vemos, atualmente, portanto, a criação de muros que buscam estabelecer essa lógica semelhante a um apartheid. É um resultado direto da globalização a criação de novos muros – seja entre os EUA e o México, Israel e os palestinos, nos campos de refugiados, nas favelas, Alphaviles, etc. Não devemos ter medo de propor que a favela é hoje o campo de concentração por excelência da globalização capitalista. Mais de 70% da população urbana no Terceiro Mundo é favelada.

Dos muitos discursos libertadores e libertários aventados após as Revoluções Francesa e Inglesa, nenhum deles foi capaz mudar nossa forma conservadora egoísta de viver e nos organizar em sociedade. Hoje falamos de um mundo Globalizado sem fronteiras, o famoso discurso falso do livre comércio. Hipocritamente falamos da liberdade de ir e vir num mundo repleto de fronteiras físicas que nos divide pessoas em verdadeiros guetos. Não superamos nem nossas fronteiras físicas, que dirá as infinitas fronteiras imateriais que nos separam. Nosso mundo ainda é repleto das mais diversas fronteiras ideológicas. Muros étnicos. Muros sociais. Muros prisionais.



Nossas cercas querem nos afastar da pobreza. Querem evitar emigrantes e imigrantes. Querem evitar o forasteiro e o mendigo. Querem impedir o acesso do sujeito da outra região. Querem nos proteger. Querem nos isolar. Formulamos políticas de higienismo social. Não queremos morar perto do esgoto. Queremos a limpeza social. Construímos projetos para limpar nossos dejetos. O setor dos drogados, doentes, prostitutas, traficantes, moradores de rua é facilmente localizado em bairros periféricos nos grandes centros. Quando não podemos mudar o pobre de lugar, somos nós que mudamos. Queremos morar isolados em castelos longe da plebe. Queremos cercas para nossos condomínios de luxo. Queremos blindar nossos carros e apartamentos. Queremos viver em uma bolha de segurança longe das mazelas que existem nessa sociedade que todo capitalista bem sucedido chama de “livre”.

Não temos globalização, o que existe é o Globalitarismo como dizia Milton Santos, um dos maiores pensadores da geografia mundial. A Globalização avança no mundo com a quebra das barreiras econômicas especulando os mercados de países pobres e emergentes. O famoso comércio de fronteira livre é uma farsa! Um mundo no qual as mercadorias e o capital circulam livremente e as pessoas, não. Assista esse documentário se quiser entender melhor: 


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Fui criado em Cáceres-MT, de minha infância até adolescência na fronteira Brasil/Bolívia, uma cidade à margem de nosso país. Lá cresci em bairros periféricos convivendo com muitos bolivianos que atravessaram a fronteira para ali morar e trabalhar. Morei um tempo entre RJ e ES, vivendo nas favelas e não nas praias, foi onde sociologicamente conheci muito mais desses dois estados. Ter vivido sempre à margem de tudo me tornou um marginal, empiricamente um pensador marginal, penso pelas bordas. Minha vida até então foi habitar em periferias. Estou à margem dessa sociedade que nos divide em cercas. Não sou da Casa Grande, sou da Senzala. Apenas gostaria de viver em um mundo sem fronteiras e cercas. Apenas mais uma de tantas utopias.



*Reinaldo Marchesi - É professor universitário, mestre em Educação pela UFMT (linha: Cultura, Memória e Teoria em Educação). Pesquisa no campo da Filosofia da Educação. Leitor de Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida [Os malditos da filosofia]. Escreve todas às sextas-feiras na coluna Filosofia de Boteco.


Algumas Referências:


Animação sobre os muros existente no Mundo - Mon Amour. Historias de Muros:



Galerias de fotos de alguns muros existentes no mundo – BBC Brasil, AQUI

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