Olhar Conceito

Sexta-feira, 03 de maio de 2024

Colunas

Bruno Tolentino: o poeta, não o polemista

Stéfanie Medeiros

Discordo de quase tudo que Bruno Tolentino (1940-2007) fala sobre assuntos alheios à poesia – e quando o assunto é poesia, discordo às vezes também. Alguns dos seus amigos, na vida pública, são absolutamente imbecis, preconceituosos e limitados. Mesmo assim, não se pode negar a genialidade da poesia que Bruno Tolentino escreveu – a começar por 1963, quando publicou seu primeiro livro, e a terminar em 2006, quando publicou o último. O poema que reproduzo abaixo é do livro “As horas de Katharina” (1994):

NOTURNO

I.
“Porque o amor não entende
que tudo quer passar,
nunca, nunca consente,
a nada o seu lugar.


Planta presa, de alpendre,
sacudindo no ar
braços impenitentes,
tenazes, em lugar

de aceitar que não prende
nada, o amor quer dar
apaixonadamente
laços à luz solar

e é noite de repente.”


As contribuições de Bruno Tolentino à poesia brasileira são várias e imensas: primeiro, a sua própria qualidade de poeta de primeira ordem; depois, a reapropriação de diversas formas poéticas já cheias de teias de aranha, que ele sacode e traz, limpas e como novas, de volta à matéria-de-hoje da poesia; ainda (e me repetindo um pouco), a volta do verso longo – o dito “verso de fôlego”, aquele que se estende por várias páginas –, que não andava ultimamente muito nas mãos dos poetas brasileiros; ou então a coragem de se pautar por assuntos que a poesia brasileira excluiu quase totalmente das livrarias nos últimos anos (por exemplo, Bruno Tolentino se dizia “poeta católico”, talvez ocupando o espaço deixado por Murilo Mendes).

O problema (e aqui, mais do que o normal, entra a opinião deste colunista que vos fala) é que, na esfera da vida pública o homem (o polemista) Bruno Tolentino dava certas opiniões que fariam se arrepiar qualquer um que se empenhe, por exemplo, nas lutas sociais no Brasil. Isso é o que eu, Matheus Jacob Barreto, não perdoo na figura de Bruno Tolentino.

Mas por sorte (será?) genialidade artística não depende de nada além da própria genialidade artística. Costumo dizer que uma pessoa absolutamente repugnante pode ser um gênio na arte, e que uma pessoa amável e empenhada no alívio do sofrimento alheio pode ser um artista menos do que medíocre. É a vida. Também por sorte Bruno Tolentino não é e nunca foi crápula nenhum, é apenas humano – e que bom que o é.

Por hoje não posso falar mais: o assunto é delicado, e ainda tenho meus fantasmas em relação ao contraditório Tolentino. Para terminar a coluna de hoje, outro poema seu, também de “As horas de Katharina”. Acho difícil o leitor, seja ele quem for, não se ver na pele de Katharina - alter ego do Tolentino, bem como de todos nós.

A VISITANTE

Às vezes imagino-a,
o mais das vezes não,
vejo-a mesmo: a visão
de um vulto de menina,

a forma feminina,
a saia de balão,
a testa pequenina
e algo – não sei – na mão...

Eu como fui um dia?
A doce visitante
se me para diante,

sorri como eu sorria
e abre a mão, confiante
da oferta: está vazia.

*A coluna Rubrica, publicada todas as segundas no Olhar Conceito, é assinada por Matheus Jacob Barreto. Matheus nasceu na cidade de Cuiabá/MT. Foi um dos vencedores das competições nacionais “III Prêmio Literário Canon de Poesia 2010” e “III Prêmio Literário de Poesia Portal Amigos do Livro de 2013”. Teve seus poemas vencedores publicados em antologias dos respectivos prêmios. Em outubro de 2012 participou da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Estuda na Universidade de São Paulo e mora na capital paulista. Escreveu o livro “É” (Editora Scortecci, 2013).

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