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Domingo, 05 de maio de 2024

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O início de uma geração pós-game

Estivemos nos últimos dias diante do lançamento de poderosos consoles que deverão decorar a sala de milhares de pessoas do mundo todo: o Wii U, o PS4 e o Xbox One.



São apenas aparelhos eletrônicos modernos, eletrodomésticos das sala de estar do futuro próximo, que trazem a diversão e o entretenimento que tem faltado à televisão e substituindo o tempo que você gastava indo ao cinema e à videolocadora.
 
Mas também são algumas das embalagens da mais empacotada e nova das artes: o jogo eletrônico. Dizer que um jogo eletrônico é uma obra de arte pode parecer pretensioso hoje em dia, mas a evolução tecnológica e a popularização dos games devem fazer dos Games o novo Cinema dentro de alguns anos.

Do primitivo Pong até hoje já se foram mais de 40 anos de evolução e investimento nessa área. O brinquedo revolucionário que exigia atenção no olhar e habilidade nas mãos feito por engenheiros de software e cientistas da informação digital está hoje nas mãos dos mais diversos tipos de profissionais.

Roteiristas, pesquisadores, diretores de fotografia, atores, dubladores, dublês de corpo, narradores, ilustradores, designers, músicos, produtores executivos, diretores de arte, figurinistas e técnicos de som são alguns dos currículos exigidos na produção de um grande jogo. Por outro lado, um bom game pode ser feito por uma ou duas mentes criativas (Ver coluna sobre o filme Indie Game: The Movie)*. O fato é que essa aproximação dos jogos eletrônicos com a sétima arte está elevando o grau de importância e participação dos games na vida atual.

Enquanto o cinemão americano vive uma crise existencial, apostando em blockbusters 3D fúteis, de uma forma tão medonha que grandes roteiristas tem migrado cada vez mais para as séries de TV em busca da sobrevivência de sua espécie, alguns games estão quebrando barreiras da interatividade.

Os jogadores estão tendo experiências cada vez mais únicas e gratificantes. Alguns jogos, como por exemplo Skyrim, Fallout, a série Mass Effect, os últimos da série GTA, Little Big Planet, Minecraft, Heavy Rain, The Sims e o ainda não lançado Disney Infinity Toy Box (e por quê não falar do misto de jogo com rede social Second Life?), permitem ao jogador terem experiências singulares.



Devido a um processo de escolhas básicas, decisões tomadas durante o jogo ou criatividade, dedicação e espírito de aventura num mundo com poucas regras e muitos caminhos a se seguir, o gamer passa de ser um explorador de mundos a um criador de histórias. É comum ver gamers desses jogos, baseados nos Role Playing Games, compartilharem suas experiências (seja por comentários, fotos ou vídeos) numa maneira divertida de mostrar o que vivenciou e sentiu, sabendo que outros gamers não devem ter passado pela mesma situação. É bem notório que essa imersão, em conjunto com a interatividade mais livre, que é vista nestes títulos, na maioria dos games é quase nula. O fato é que o “game de esmagar botões” está com os dias contados.

Quanto mais o jogador se envolve com o seu avatar virtual e vive uma experiência mais dramática e filosófica, mais ele se sente recompensado. Alguns jogadores descrevem que não apenas sentem emoções reais jogando, mas também adquirem pequenas lições de aprendizado sobre a sua própria vida fora do mundo virtual.

Esse nível de interação possível, mas ainda limitada, deve aumentar na próxima geração de games, o que aliás foi uma das premissas da atual, que ainda ficou devendo (alguém lembra dos vídeos promocionais do Kinect mostrando o garoto virtual Milo que dialogava livremente e reconhecia as expressões faciais do jogador?) e pode chegar a um ponto interessante de se imaginar. E é justo neste ponto em que está ou estará a arte nos games: a evolução da interação.

O mundo contemplou e assumiu vários tipos de manifestações e expressões artísticas. Desde a consagração da pintura, literatura, escultura, música, ilustração e desenho, teatro, culinária, fotografia, moda e vestuário, além de outras, até chegarmos ao ápice do cinema no início da era da arte moderna a arte provém da cultura dos povos de cada região.

A partir dos anos 70, com a crescente revolução tecnológica querendo participar e dominar cada vez mais das nossas vidas, não seria difícil imaginar que a inteligência artificial, a informática, a cibernética e a internet estariam juntas um dia criando uma cibercultura globalizada e influenciada por todas essas expressões e pelos movimentos artísticos mais populares. Os games tem a capacidade de mesclar e perpetuar muitas expressões e manifestações, sendo influenciada diretamente ou influenciando o meio artístico.

Esse poder de ser um canal de expressão com meio e mensagem acessado interativamente é uma virtude única, e os games, agrupando a internet e novas tecmologias, estão assumindo essa característica como base para uma futura experiência sóciocultural. Em outras palavras: o videogame é, atualmente, a arte da tecnologia.

O que falta para a maioria dos games atingirem os jogadores é aquela emoção descontrolada que você tem ao ver o seu filme favorito ou ao escutar sua música favorita. Aquele sentimento sublime de quando você lê uma boa história ou de quando conta uma boa história. E principalmente aquele sentimento que fica depois disto, quando você volta à vida real trazendo algo que aprendeu ou sentiu com aquela experiência.

O envolvimento com os jogos acontece especialmente durante o tempo em que se joga. Além disso, poucas pessoas tem admiração com os artistas criadores dos games. Nos games como em qualquer arte, existem tendências e estilos de criadores, os fãs em sua maioria reconhecem suas empresas desenvolvedoras favoritas e às vezes um ou outro criador. Mas não existem popstars da indústria dos games, apesar de que já houve um princípio de tentativa.

No entanto, a lógica básica dos games reside justamente nisto: o jogo é uma plataforma, uma ferramenta, um palco para cada jogador. O grande jogador é o “popstar”. Por isso, as próximas gerações de games têm esse objetivo: fazer você se emocionar com uma boa história, a sua história. O jogador quer deixar de se sentir e de ser chamado de jogador, quer ser apenas uma pessoa. Um personagem baseado em si mesmo. A vontade de moldar a sua experiência e testar e construir o seu caráter supera a de pressionar botões para vencer pequenos desafios.

Para isso, as regras e os limites dos jogos serão expandidos cada vez mais até o ponto em que serão praticamente eliminados. Chegará esse momento em que os games deixarão de ser jogos. Isso resultará na próxima revolução (ciber)cultural, sabe se lá quando ou como será. Apenas devemos saber que estamos a algum tempo vivendo o início delicioso e imaturo de uma nova corrente artística, o debut de uma era em que a realidade virtual é uma tela em branco.

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