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Segunda-feira, 06 de maio de 2024

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O cinema enquanto testamento da banda Legião Urbana

Dois longas relacionados à banda Legião Urbana foram lançados em maio, e, curiosamente, nenhum dos dois filmes de ficçãoé, de fato, sobre a banda. Enquanto “Somos Tão Jovens”, de Antonio Carlos da Fontoura, tem como protagonista o, ainda jovem, cantor e compositor Renato Russo,“Faroeste Caboclo”, de René Sampaio, é uma adaptação da música homônima, composta em 1987.

Apesar das abordagens distintas das propostas, podemos ler em ambas um objetivo simples, que pode ser encarado como geral ou específico, mas esta lá: testificar pelo cinema toda a grandeza da obrade Legião Urbana, mais evidente em Renato.

Somos Tão Jovens

É nesta lógica que “Somos Tão Jovens” mostra o período final da adolescência do cantor e compositor, quando este cria a banda Aborto Elétrico e, posteriormente, a Legião Urbana, com destaque para a cidade e toda a sua efervescência no irromper da cena do rock em Brasília,influenciada pelo ensandecido punk da Inglaterra. Para quem já viu o documentário “Rock Brasília - Era de Ouro”, de 2011, de Vladimir Carvalho, verá na tela apenas uma projeção simulada das ações centrais descritas no documentário.

O roteirista Marco Bernstein é enfadonho e até mesmo petulante, distanciando-se de forma abrupta do seu trabalho em “Central do Brasil”, 1998, e essa irritação é causada, em grande parte, pelos diálogos pouquíssimos naturais travados pelos personagens, as exceções se dão sempre com Renato e Aninha, interpretados de maneira convincente por Thiago Mendonça e Laura Zaid. Não é a toa que a cena que mais funciona é a da banda tocandoa música Ainda é Cedo, na qual Renato dedica a música à amiga enamorada.A cena consegue emocionar e isso se dá, justamente, pela força que a canção tem: pode-se compreender o processo de criação do compositor, o que não ocorre no resto filme.

O filme não comete o pecado infantil de santificar o seu protagonista, mas o apresenta frágil e mimado. Não nego a presença de tais qualidades na personalidade do “rockeiro”, mas em nenhum momento, exceto na cena mencionada, podemos ver a ligação entre o personagem e sua obra já conhecida, e produzida na época retratada, como por exemplo, a música Geração Coca-Cola.




As inserções de frases e expressões das músicas em diálogos supostamente normais são de longe os momentos mais desconfortáveis da exibição, como quando o grupo de amigos entra numa festa e o protagonista solta “festa estranha com gente esquisita!”.

Quem quiser saber quem foi Renato Russo veja “Somos Tão Jovens”, porém, indico que, logo em seguida, ouça apenas uma vez a canção Tempo Perdido, então saberá que a primeira ação foi de fato o tempo perdido!

Faroeste Caboclo

Curiosamente o filme de René Sampaio, tem Bernstein como roteirista, mais uma tragédia, certo? Errado. Talvez o auxílio de Victor Altherino possa ter sido a diferença, mas não se pode menosprezar Bernstein, que repito, roteirizou “Central do Brasil”. E é incrível como os diálogos são tão melhores, e mais aceitáveis, embora aconteça alguns deslizes que são até mais perdoáveis, como a expressão solta em uma cena do filme “tem bagulho bom aí”.

O recorte escolhido aborda a vida de João de Santo Cristo, já em Brasília, com inserções de flashbacks de forma inteligente, e algumas transições que chamam a atenção revelando um ótimo trabalho de montagem. João, interpretado, contundentemente, pelo fantástico Fabricio Boliveira, chega à cidade onde se envolve com o tráfico de drogas e se apaixona por uma burguesinha, a Maria Lúcia (Ísis Valverde). João terá de lidar com o seu algoz, o traficante playboy Jeremias (Felipe Abib), o que justifica o título da canção e do filme.



E é exatamente a atuação de Boliveira que entrega mais uma falha do roteiro:as locuções. O João de Santo Cristo, de Boliveira, realmente não tem medo, seu olhar fixo e decidido é a essência do personagem que, sempre rápido,decide-se e pouco reflete, logo as locuções não cabem, um recurso já desgastado e usado com rara felicidade nos textos de BraulioMontovani (Cidade de Deus, Tropa de Elite I e II).

As referências na fotografia ao ‘western’ (faroeste) são válidas, pois não soam cansativas. O enquadramento americano, feito para enquadrar a cartucheira e negar as pernas cambais de John Wayne, e o tom amarelado, são uma brincadeira interessante que em nada deturpam a lógica narrativa. Temos, aliás, sequências que remetem ao ‘western spaghetti’ como o tiroteio contra a do primo Pablo (César Trancoso). As inserções de humor são feitas de maneiras rápida e pertinente, evitando que as cenas caiam no estúpido.

O argumento é fiel à música, o roteiro não. O esqueleto da história é o mesmo, o resto é uma adaptação livre. É necessária essa compreensão de alguns fãs “xiitas”, já que a letra da canção, em si, é inadaptável sem essa concepção. Imagine como seria uma cena onde Jeremias esperasse João dizer “Jeremias eu sou homem...”com uma ‘Winchester 22’ sem antes dar cabo no caboclo! É aí que René Sampaio faz sua obra valer a pena, ele encontra, ao seu modo, soluções e formas de se viabilizar a canção enquanto filme. Respeitando a importância da obra de Renato Russo, porém, criando uma obra à parte e assim reivindicando um espaço alternativo sem as aparentes motivações caça-níqueis.

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