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Sábado, 20 de abril de 2024

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Flash Fiction: O mosteiro de Lupachulaca

O mosteiro de Lupachulaca se equilibrava na ponta de um penhasco no sul da Escócia.

Antes de ser mosteiro foi a mansão de um excêntrico lorde, cujo sonho era viver num lugar que flutuasse ou chegasse o mais próximo disso. A janela da suíte dava para a imensidão do céu, nada abaixo a não ser o chão pedregoso no fundo do vale. No fim do século 17 o tataraneto do lorde doou a mansão à Ordem dos Oradores Silenciosos. Nunca disse que o motivo eram os arrepios que sentia sempre que pensava naquela morada improvável.

A Ordem se manteve firme, embora cada vez mais reduzida com o passar dos anos. Nos corredores do mosteiro não havia som algum exceto o murmúrio do vento, uma canção de consolo que os irmãos silenciosos diziam ser as vozes dos santos.

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No último ano a prefeitura da cidade enviou peritos ao local para avaliar a estrutura da construção. Eles rapidamente averiguaram que não havia nada exceto pura sorte mantendo o mosteiro de pé naquele ponto desfavorável. A maior parte das vigas estava velha e podre e a própria rocha erodia aos poucos, causando um desnível que seria fatal a qualquer momento. O responsável pelo mosteiro, o irmão silencioso mais velho, não disse nada, como era de se esperar, mas escreveu numa justificativa oficial que estavam protegidos por Deus.

A prefeitura tentou três outras vezes convencê-los de que deviam abandonar o lugar. Eles foram irredutíveis.

Semana passada, durante uma tempestade, o mosteiro despencou, levando grande parte da estrutura ancorada na terra consigo e todos os irmãos silenciosos menos um.

O sobrevivente veio a público, quebrando os votos de silêncio, para dizer o motivo pelo qual o mosteiro mergulhara nas profundezas, levando seus irmãos a uma morte prematura.

Muito simples, afirmou.

Obra do demônio.

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SANTIAGO SANTOS é escritor, jornalista, tereréficionado e mora em Cuiabá. Publica doses concentradas de literatura no www.flashfiction.com.br - de conversas de boteco a universos paralelos, de casos indecifráveis à análise do sorriso de um dragão banguela. A coluna no Olhar Conceito é semanal.

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