Olhar Conceito

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Colunas

Hugo von Hofmannsthal: O Tolo e a Morte

Stéfanie Medeiros/ Olhar Conceito

[Antes de começar a coluna de hoje, vou repetir o aviso dado na coluna anterior (e farei isso por mais algumas semanas); e que é: “Acho interessante esclarecer algo que já me parecia claro, mas que talvez ainda não esteja: este texto (ou os anteriores, ou os próximos), este texto não é uma análise propriamente dita – lhe falta profundidade de análise, profundidade essa que nem é meu objetivo desenvolver aqui nem me caberia alcançar num texto de jornal. Este texto é uma conversa com o leitor. Apenas isso. Somos o leitor e eu sentados conversando sobre esses artistas fantásticos. Aviso feito, vamos à conversa de hoje!]

[Segundo aviso: aproveito o fato de morar na Alemanha para falar hoje e nas próximas semanas sobre autores de língua alemã e/ou autores brasileiros que tiveram alguma relação com a literatura de língua alemã. Ao final do intercâmbio, volto à nossa literatura em língua portuguesa!]


Hugo von Hofmannsthal (1874-1929) foi um poeta, dramaturgo e libretista austríaco da virada do século XIX, autor que tentou nadar contra a correnteza das grandes mudanças sociais e estéticas que o século XX trouxe consigo. Von Hofmannsthal fez poesia quase alheia ao século em que vivia (ou talvez, por isso mesmo, reflexo desse seu conturbado tempo!), mas a fez tão bem que no final das contas suas posições frente ao século XX não importam muito. Veio ao mundo, fez grande poesia, se foi.

,,Der Tor und der Tod” (“O Tolo e a Morte”, 1893) – ou seja, publicado quando o poeta tinha 19 anos de idade – é um dos pontos mais altos de sua produção. Peça teatral de apenas um ato, ,,Der Tor und der Tod” se forma em torno das últimas horas de vida de Claudio, um nobre que recebe a visita da própria Morte munida de violino e lembranças já distantes.

A irônica Morte vem com seu violino ao encontro de Claudio depois que este, ouvindo alguma música que soava de seu jardim, perguntava-se quem no mundo poderia tocar tão perturbadoramente bem. Frente à Morte, protesta Claudio que ainda não é sua hora, que ainda há muito o que ver, viver, sentir; protesta que a morte veio adiantada demais. A Morte se mantém (como disse nosso grande Manuel Bandeira décadas depois) iniludível.

Com a Morte vêm mais tarde a mãe de Claudio, uma garota que por ele se apaixonara anos e anos atrás e que Claudio abandonara abruptamente, e um antigo grande amigo que Claudio também deixara de lado. Cada morto desfila pelo palco: a mãe confusa, a amante doce, o amigo furioso.

De cada um escuta Claudio algo, de modo que, justo no momento de sua morte, mais sabe Claudio sobre a vida.

A estrutura da peça é simples e em nada inova, mas cada diálogo é escrito com uma potência lírica e uma engenhosidade tamanha que, como já dito no início desta coluna, pouco importa se Hofmannsthal inovou ou não. Alguns dos versos mais bem realizados que já li em alemão saíram das mãos de Hofmannsthal para esta peça. Dois trechos me vêm à mente (infelizmente não encontrei na internet traduções da peça para o português! Fica aí mais uma tarefa aos tradutores brasileiros, portugueses, angolanos etc.):

,,Könnt ich mit dir sein, wo man dich nur hört, / Nicht von verworrner Kleinlichkeit verstört! / Ich kanns! Gewähre, was du mir gedroht: / Da tot mein Leben war, sei du mein Leben, Tod! / Was zwingt mich, der ich beides nicht erkenne, / Daß ich dich Tod und jenes Leben nenne?
(...)
Wenn ich jetzt ausgelöscht hinsterben soll, / Mein Hirn von dieser Stunde also voll, / Dann schwinde alles blasse Leben hin: / Erst, da ich sterbe, spür ich, daß ich bin.
(...)”

A peça é escrita em versos jâmbicos, quase que sempre em pentâmetros jâmbicos (com cinco pés jâmbicos, ou seja: cada verso segue a estrutura silábica fraca-FORTE-fraca-FORTE-fraca-FORTE-fraca-FORTE-fraca-FORTE).

Há, no entanto, duas nada pequenas exceções no esquema métrico da peça: em alguns momentos (como no um pouco acima citado ,,Da tot mein Leben war, sei du mein Leben, Tod!”), o pentâmetro se estende a um hexâmetro jâmbico (seis pés jâmbicos).

Em outros momentos, como no desfecho da peça quando Claudio desaba e a Morte parte, há um trecho em tetrâmetro jâmbico (ou seja: quatro pés jâmbicos). Essa pequena-grande mudança foi uma decisão de grande engenhosidade por parte do jovem Hofmannsthal, já que assim se dá mais velocidade ao verso e se prepara a peça para seu final.

,,Der Tor und der Tod” é livro curtíssimo (a edição pela editora Insel tem apenas 25 páginas) e bem-acabado. Guarda uma potência lírica impressionante em suas pouquíssimas páginas. Talvez aquele ditado sobre os frascos de perfume se encaixe, afinal, perfeitamente neste caso.

*A coluna Rubrica, publicada todas as segundas no Olhar Conceito, é assinada por Matheus Jacob Barreto. Matheus nasceu na cidade de Cuiabá/MT. Foi um dos vencedores das competições nacionais “III Prêmio Literário Canon de Poesia 2010” e “III Prêmio Literário de Poesia Portal Amigos do Livro de 2013”. Teve seus poemas vencedores publicados em antologias dos respectivos prêmios. Em outubro de 2012 participou da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Estuda na Universidade de São Paulo e mora na capital paulista. Escreveu o livro “É” (Editora Scortecci, 2013).


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