Olhar Conceito

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Colunas

Hugo von Hofmannsthal: a voz e o poeta

Danilo Bezerra

[Antes de começar a coluna de hoje, vou repetir o aviso dado na coluna anterior (e farei isso por mais algumas semanas); a saber: “Acho interessante esclarecer algo que já me parecia claro, mas que talvez ainda não esteja: este texto (ou os anteriores, ou os próximos), este texto não é uma análise propriamente dita – lhe falta profundidade de análise, profundidade essa que nem é meu objetivo desenvolver aqui nem me caberia alcançar num texto de jornal. Este texto é uma conversa com o leitor. Apenas isso. Somos o leitor e eu sentados conversando sobre estes artistas. Aviso feito, vamos à conversa de hoje.]

[Segundo aviso: aproveito o fato de morar na Alemanha para falar hoje e nas próximas semanas sobre autores de língua alemã e/ou autores brasileiros que tiveram alguma relação com a literatura em língua alemã. Ao final do intercâmbio voltarei à nossa literatura em língua portuguesa.]

Hugo von Hofmannsthal (1874-1929), nobre austríaco da virada do século XIX ao XX, foi poeta, libretista e dramaturgo de grande expressão e representatividade no fin de siècle europeu. Começou a escrever poemas muito cedo, de modo que aos vinte e cinco anos de idade já exibia domínio total das formas e ritmos dados pela tradição europeia e já gozava de prestígio considerável entre os literatos com peças como ,,Der Tor und der Tod” (“O Tolo e a Morte”) – peça sobre a qual já conversamos nesta coluna semanal.

Hugo von Hofmannsthal escreveu proficuamente poemas até mais ou menos a virada do século, quando repentinamente estancou sua produção poética. Passou a escrever quase que exclusivamente peças e libretti para óperas (sua colaboração com o grande compositor Richard Strauss gerou frutos impressionantes, como a ópera “Ariadne em Naxos”, entre outras). O abrupto fim (ou quase fim, já que escreveu ainda alguns poucos mais tarde, muitos misturados às peças ou libretti) traz inevitavelmente Rimbaud à mente – por mais diferentes que tenham sido suas obras e também seus motivos para não escrever mais poemas. Exemplo desse abandono da poesia é a famosa carta fictícia de um tal de “Lord Chandos” (Hofmannsthal, é claro) a Francis Bacon, na qual o Lord explica os motivos que teve para não mais escrever.

Hofmannsthal, repito, escreveu ainda outros poemas depois da virada do século, mas nunca mais tão proficuamente quanto em sua juventude.

Como já dito na primeira coluna sobre Hofmannsthal, a obra do autor não demonstra grandes inovações métricas, nem essa parece ser uma preocupação do autor – isso sente o leitor de Hofmannsthal quando tem seus escritos em mãos pela primeira vez.

A unidade encontrada na obra poética de Hofmannsthal consiste em uma busca: eternizar o drama da experiência humana (“Escreve-se com sangue”, disse certa vez o poeta) em formas artísticas fechadas em si, quase como um inseto que pela ação da natureza é eternizado numa gota de âmbar. A “experiência humana”, no entanto, não podia ser aquela de um único homem, suas lamentações e reclamações tanto egoístas quanto patéticas: deveria ser, isso sim, a experiência do Homem, algum tipo de ente que em si contivesse o drama de todos os homens de uma certa época, de um certo tempo. O Homem, não o homem.

Dessa abstração que seria o Homem decorre um distanciamento das coisas cotidianas ou rasteiras, e disso floresce um esteticismo extremo e em certa medida uma elitização do artista e de sua obra que são constantemente criticados em Hugo von Hofmannsthal. Afinal, se o objeto da arte é agora o Homem como aquela figura que representa os outros homens, fica de fora o homem de carne e osso, que paga seu pão de manhã e trabalha de sol a sol. O artista olha sempre o horizonte, mas não vê seus companheiros ao seu lado.

É claro que muitos leitores e estudiosos de Hofmannsthal deixam esse aspecto sectário ou elitista de lado, assim como por muito tempo o fiz. Argumentam que toda arte é elitista. Eu, colunista deste jornal, não acredito nisso, e por mais que reconheça em Hofmannsthal o grande artista que ele de fato é, não consigo não pensar nesses aspectos sempre que leio sua obra. O que não me impede de continuar lendo seus livros. Isso, é claro, é apenas uma observação pessoal, e como esta coluna não é nem um texto crítico nem uma análise, me permito aqui expressá-la. Isso dito, vamos em frente.

O distanciamento de seu tempo (a menos que o distanciamento seja lido justamente como um sinal da ruína de sua época, o fin de siècle – leitura plausível e recorrente) tem fundamentos muito bem definidos na exposição estética que Hofmannsthal fez em vários jornais de sua época e também em cartas a amigos e outros artistas, a saber: o Homem (como representante dos homens do seu tempo) era representado na arte em detrimento dos homens comuns porque haveria uma forte ligação entre todos os tempos e todas as pessoas, e que dessa ligação se poderia abstrair um Homem que a todos representasse. O presente estaria já no passado, como o passado já está no futuro e o futuro no passado. O Homem já está na Criança, assim como a Criança no Homem. Os tempos se encontram e são um só.

A essência dos homens, assim, estaria em alguma sublimação, em alguma abstração maior do que o simples aqui e agora. E é essa essência que encontra representação na obra de Hugo von Hofmannsthal em detrimento do homem comum, do empregado e do homem cotidiano.

Para terminar a coluna de hoje, dois versos de Hofmannsthal, aqui no original e em tradução do grande poeta português, Jorge de Sena:

,,Wuchs dir die Sprache im Mund, so wuchs in die Hand dir die Kette:
Zieh nun das Weltall zu dir! Ziehe! Sonst wirst du geschleift.”

,,Cresce a fala na tua boca, e crescem nas tuas mãos cadeias.
Arrasta para ti o Universo, arrasta! Ou serás tu arrastado.”

*A coluna Rubrica, publicada todas as segundas no Olhar Conceito, é assinada por Matheus Jacob Barreto. Matheus nasceu na cidade de Cuiabá/MT. Foi um dos vencedores das competições nacionais “III Prêmio Literário Canon de Poesia 2010” e “III Prêmio Literário de Poesia Portal Amigos do Livro de 2013”. Teve seus poemas vencedores publicados em antologias dos respectivos prêmios. Em outubro de 2012 participou da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Estuda na Universidade de São Paulo e mora na capital paulista. Escreveu o livro “É” (Editora Scortecci, 2013).

Comentários no Facebook

Sitevip Internet