Olhar Conceito

Sexta-feira, 26 de abril de 2024

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Ernst Toller: socialismo e ,,Masse-Mensch"

Danilo Bezerra / Olhar Direto

[Antes de começar a coluna de hoje, vou repetir o aviso dado na coluna anterior (e farei isso por mais algumas semanas); a saber: “Acho interessante esclarecer algo que já me parecia claro, mas que talvez ainda não esteja: este texto (ou os anteriores, ou os próximos), este texto não é uma análise propriamente dita – lhe falta profundidade de análise, profundidade essa que nem é meu objetivo desenvolver aqui nem me caberia alcançar num texto de jornal. Este texto é uma conversa com o leitor. Apenas isso. Somos o leitor e eu sentados conversando sobre estes artistas. Aviso feito, vamos à conversa de hoje.]

[Segundo aviso: aproveito o fato de morar na Alemanha para falar hoje e nas próximas semanas sobre autores de língua alemã e/ou autores brasileiros que tiveram alguma relação com a literatura em língua alemã. Ao final do intercâmbio voltarei à nossa literatura em língua portuguesa.]

Ernst Toller (1893-1939) foi um dramaturgo, poeta e político comunista alemão. Foi por seis dias presidente da República Soviética da Baviera, país de vida curtíssima e que fora criado através de um golpe de estado na Baviera (Alemanha). Após o ataque à e extinção da República Soviética da Baviera Toller foi preso. Anos mais tarde, com a ascensão dos nazistas ao poder, exilado.Suicidou-se em Nova Iorque aos 45 anos, já sem dinheiro e em depressão (doara quase todo o seu dinheiro aos refugiados da Guerra Civil Espanhola e ficara sabendo que sua família havia sido enviada a um campo de concentração).

Para além das convicções políticas de Ernst Toller, ele foi um dramaturgo e poeta de considerável talento – talento este parcialmente desenvolvido devido ao suicídio. Escrevera diversas peças que alcançaramalgum reconhecimento, reconhecimento esse suficiente para que artistas do porte de um Thomas Mann interviessem a favor de Toller quando ele fora preso e exilado.

Conversaremos hoje sobre a peça ,,Masse-Mensch” (Homem-Massa, 1921).

Em linhas gerais, a peça gira em torno de uma tentativa de revolução popular levada a cabo1) porMulher,personagem que acredita no “homem” como ser pensante e sensível 2) e por Sem-Nome, entidade que acredita na “massa” como grupo homogêneo a ser moldado e remodelado de acordo com a vontade de um líder. Após a morte de incontáveis trabalhadores, a tentativa de revolução é suprimida pelo governo dominante e seus principais líderes são presos.

A peça, que fora escrita num impulso em 2 dias e meio, lida com os conflitos muito palpáveis enfrentados por Toller quando este participou do golpe de estado que levara à criação da República Soviética da Baviera (1918). Toller lutara anos antes na Primeira Guerra Mundial: impressionado pelo seu encontro ali com a morte, a doença e a humilhação que uma guerra indiscriminadamente traz, Toller se tornou ao final da guerra um pacifista. Assim, lutar pelo golpe de estado na Baviera lhe causou grande impacto e aflorou conflitos internos entre suas convicções políticas e seu pacifismo.

Na peça ,,Masse-Mensch”, Mulher (personagem que exalta os benefícios da greve para as lutas proletárias e que se opõe à luta armada) entra em conflito com Sem-Nome (personagem a favor da luta armada, vê os trabalhadores como uma grande massa que precisa ser levada ao conflito direto com o estado burguês para que só depois haja paz completa no então recém-criado estado socialista).

Mulher acredita na mudança gradual da mentalidade dominante, sempre sem o uso da força física; Sem-Nome acredita na revolução imediata e através da força.

Percebe-se, então, aí instalado e em dramaturgia representado o conflito entre a consciência do poeta e si mesmo.

Como o leitor da coluna deve ter percebido, o texto da coluna de hoje quase não falou de aspectos formais da peça ,,Masse-Mensch”: falou apenas das convicções de seu autor e da relação da peça com os acontecimentos de sua vida. Como o presente texto não é uma análise, e sim uma conversa, não vejo nisso grandes problemas.Outro motivo para o texto pouco analítico é o fato de (talvez também na opinião do próprio dramaturgo, já que ele considerava a parte formal de sua peça pouco trabalhada devido à sua própria incapacidade de se distanciar da matéria [vide prefácio à segunda edição]) sua ,,Masse-Mensch”não ter grande valor artístico quando comparada ao resto da produção de Ernst Toller. A reflexão que a peça causa, no entanto, é valiosa: individualidade versus comunidade, pacifismo versus guerra, mudança lenta versus revolução, homem versus massa.

Até que ponto os interesses do coletivo ultrapassam a vontade individual? Quais fins justificam quais meios? Qual o limite para os sacrifícios em prol de um Bem Maior? Pode haver sacrifícios? Há Bem Maior? Como se alcança o Bem Maior? Por meio de quê? Pelo uso de qual força? Pelo uso de alguma força? Até que ponto é moralmente permitido chegar? Há moral? Qual moral? Moral criada por quem? Para quem?

Quanto vale a vida de um homem? E sua morte?

Ernst Toller parecia também não saber a resposta quando se suicidou em 22 de maio de 1939.

*A coluna Rubrica, publicada todas as segundas no Olhar Conceito, é assinada por Matheus Jacob Barreto. Matheus nasceu na cidade de Cuiabá/MT. Foi um dos vencedores das competições nacionais “III Prêmio Literário Canon de Poesia 2010” e “III Prêmio Literário de Poesia Portal Amigos do Livro de 2013”. Teve seus poemas vencedores publicados em antologias dos respectivos prêmios. Em outubro de 2012 participou da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Estuda na Universidade de São Paulo e mora na capital paulista. Escreveu o livro “É” (Editora Scortecci, 2013).



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