Olhar Conceito

Sexta-feira, 03 de maio de 2024

Colunas

Um messias indeciso: filme No, versa sobre ditadura e publicidade no Chile

“O que vocês verão agora está está inserido no contexto social do Chile atual”, diz o vacilante René Saavedra (Gael Garcia Bernal) ao apresentar os vídeos institucionais criados por ele no começo do filme para o refrigerante Free, no final para a telenovela Bellas y Audaces, e no meio do filme para a cúpula da campanha do Não, no plebiscito convocado em 1988 pelo ditador Augusto Pinochet, que 15 anos antes havia derrubado Salvador Allende por meio de um golpe de estado.




Oportuno lembrar que já haviam caído outras ditaduras recentemente na América do Sul (Argentina em 83, Brasil e Uruguai em 85), logo o déspota chileno sofria pressão da comunidade internacional.

No, de 2012, versa sobre a conjuntura chilena da época como René vendia sua publicidade. Além, a ficção transita ante alguns olhos desatentos como um docudrama, por conter também imagens de arquivo e pela riqueza na reconstrução do chile de Pinochet. A escolha de Pablo Larraín pelo período é uma constante na carreira do diretor, apesar de ser apenas neste filme que a questão recebe atenção prioritária.

Saavedra, ex-exilado (muito provavelmente pela atuação política do pai), é um publicitário de prestígio que recebe o convite um tanto incomodo de criar a campanha contrária a continuidade do governo repressor. A trama se desenvolverá nos bastidores desta campanha, que tem do outro lado o patrão de René como mentor.





O roteiro, de Pedro Peirano baseado na peça de teatro El plebiscito de Antonio Skarmeta, possibilita o desenvolvimento de vários personagens importantes ao desenvolvimento da história, como o filho Simon (Pascal Montero), criança que pouco fala, não chora, e denota pouco conhecer do que acontece no seu país.

Guzmán (Alfredo Castro), o chefe de René, partidário de Pinochet, oscilando sempre em seu caráter, por vezes implicitando ameças ao rebento do empregado, em outros momentos se dirigindo ao personagem de Bernal como um amigo, sempre evidenciando nessa relação a submissão inversa pela divergência de talento no fazer criativo da publicidade.

Contudo o papel de herói em René é suficiente para centralizar as atenções. Percebe-se o desconforto do personagem com o protagonismo que exerce, indiretamente político, ainda mais se considerada a sua certa despolitização em relação a ex-esposa e aos outros integrantes da campanha do Não. René é por vezes inseguro quanto a sua participação no processo, um messias indeciso.

Os gesto de Bernal, minúsculos, imputam ao filme toda a dramaticidade pretendida por Larraín no retratar da dos fatos, justificando deste modo a escolha pela ficção, pois como define o produtor brasileiro Daniel Dreifuss o personagem de René é um “amálgama de várias pessoas inseridas na campanha”.

Em No, o drama proposto por Larraín humaniza ainda mais as fortes imagens das torturas, e de certa forma se esquiva delas, suprimindo-as. Pinochet, não tem os trejeitos e olhares Bruno Ganz e seu Hitler em A Queda, 2004. Uma construção menos maniqueísta e mais cível por parte do chileno. Outros elementos contundentes podem ser vistos na estética, com uma câmera na mão pouco publicitária, logo se diga, e textura que imita os arquivos dos anos 80 utilizados no longa, fomenta-se de forma delicada a intenção de ilusionar, ludibriar, o que é pertinente a esta arte.

Em tempos de levantes populares pelo globo, com destaque singular aos que ocorrem no Brasil e seu possível plebiscito, há de se louvar o coprodução americana, muito mais pela distribuição de um trabalho com tanta envergadura. O filme se mostra atual, chileno, mas global.


Comentários no Facebook

Sitevip Internet