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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Vida de gado

Rogério Florentino Pereira/ Olhar Direto

Neste momento, ainda entristecidos pelo incêndio que destruiu praticamente todo o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, creio que se faz oportuna uma reflexão sobre o ‘fogo’. Contra o fogo (físico) que destruiu tantas peças testemunhas de nossa História, é hora de propor saídas, formas de fazer frente a este lamentável estado a que a cultura, a arte, a ciência e a educação foram levadas por mentes e mãos tão inábeis, para dizer o mínimo.

O fogo-fátuo que hoje queima as esperanças da nação, principalmente da infância e da juventude, deriva, no todo ou em parte, da falta de ação, ou de ações erráticas, desordenadas, dos poderes públicos em relação à cultura e a educação como um todo. Com efeito, cabe ao Estado (união, governos estaduais e municipais), num primeiro momento, propor medidas, projetos, fomentar ações e fiscalizar a aplicação delas. E isso, infelizmente, anda faltando em larga medida no Brasil e particularmente em Mato Grosso.

O quadro de inércia chega a ser desolador. Só para ficar com os museus, afora o caso do Nacional do Rio noticiado em todo o mundo, a nos envergonhar, veja-se a situação a que o atual governo do Estado tem levado os nossos: nada menos que quatro espaços museais e afins dos mais relevantes se encontram totalmente fechados na capital: o Museu de Arte Sacra, o Museu de Arte de Mato Grosso, o Museu Histórico e a Residência dos Governadores. Isto, afora outros ‘parcialmente’ abertos, como a Galeria Lava-pés que está funcionando dentro do prédio da Secretaria de Estado de Cultura e o Museu de Pré-História que segundo informações funciona por meio de termo de cooperação entre o Instituto Ecoss e o governo.

Não adianta ter programas, projetos culturais ou de qualquer outra área se eles não obedecem a uma estratégia, que tenham foco e recebam o aparato necessário: físico (prédios adequados, bibliotecas, salas de exibição) e humano (pessoal qualificado para o seu exercício satisfatório).

Precisamos pensar na prática cultural que agrega, que gera renda e emprego, que estimula a economia criativa, que propõe soluções e se interliga com outras áreas da administração pública, por exemplo: educação, saúde, esporte, desenvolvimento econômico. É necessário pensar novas oportunidades de financiamento para custear esses programas. Em Mato Grosso, foi extinta a importante Lei de Incentivo à Cultura, mais conhecida como Lei Hermes de Abreu, trocada pelo Fundo Estadual de Cultura. Uma troca desinteligente, a meu ver, porque impede que o artista se relacione com o mercado, por meio de isenção fiscal de ICMS. O ideal é as duas formas funcionando e se complementando a favor da produção de conhecimento.

Outro ponto que precisa ser construido é o do financiamento empresarial dentro de instituições culturais do Estado, a exemplo de fundações, museus, universidades. Muita gente ainda hoje se recusa a admitir que empresas financiem projetos culturais ou científicos dentro do setor público. Trata-se de equívoco histórico essa ideia de que não se pode empreender dentro, por exemplo, das universidades públicas. É o contrário do que pensam: quanto mais a universidade ou qualquer outra instância da administração pública se abrir, mais ela terá chance de disputar e ser reconhecida no mercado.

Mato Grosso pode ousar administrativamente com os Consórcios de Cultura, para que investimentos sejam feitos não apenas em um município e sim para um grupo deles; um produto ou serviço que precisa ser comprado, que seja comprado para muitos ao mesmo tempo, barateando pra todo mundo e assim otimizando a sua divulgação para muito mais gente. O IBGE, em pesquisa publicada em 2015, mostra que a preservação do patrimônio histórico é uma das principais metas quando se investe em cultura.

Dificilmente em Mato Grosso você consegue fazer cultura na rua, então precisa de espaço físico, da estruturação de sistemas culturais nos municípios, fazer consórcios de cultura, se até já existe o consórcio do arroz, o consórcio para construir estrada, por exemplo. Enfim, consórcios de cultura para dar conta de um estado continental como Mato Grosso.

É possível ser feito. É preciso assumir riscos, ousar, mas ousar de modo racional, em ações bem pensadas e com objetivos bem traçados. Essa racionalidade e planejamento trará também recursos internacionais para serem aplicados em Mato Grosso.

E um povo alimentado com informação e cultura de qualidade tem muito mais chances de melhorar em todos os aspectos o seu viver. Em saúde, educação, melhora da autoestima e a consciência da cidadania que nos distancia da barbárie e nos insere, definitivamente, na condição de seres civilizados. Que em Mato Grosso seja assim pois nosso gado é outro, mas o povo continua marcado e infeliz.

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