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Colunas

Vasculhando 25 metros de tecido...

Isolda Risso

Naquele dia, ao passar o filtro solar, com o movimento que fiz ao contornar as pálpebras, me encontrei com meus olhos e, por uma fração de segundo senti um estranhamento entre nós.

Estava ligeiramente atrasada para o compromisso daquela manhã e aproveitando este bom motivo me apressei saindo rapidamente da frente do espelho.

Saí da mira do espelho, mas o espelho não saiu de mim.

Os dias passaram e a cada higiene matinal o cuidado em não reaver meus olhos foi redobrado.

Evitei o quanto pude o reencontro até que o desconforto de continuar fugindo se tornou maior e pior do que o receio de encarar, e lá fui eu mais uma vez me vasculhar.

A pergunta que não calava era: “Onde eu estou” ?

Me olhava e não me reconhecia, me procurava e não me encontrava.

O que o espelho mostrava não me agradava, engordei 10 quilos, meu corpo perdeu as formas, a sensação de liberdade que sentia em não precisar me ocupar com o cabelo, me desocupar com as combinações de se vestir não era a mesma de meses atrás. Vez e outra me recordava de uma camisa x, de uma saia y, de um colar, de um sapato, enfim...

Algumas vezes me passava pela cabeça voltar à rotina anterior, academia, drenagem, deixar o cabelo crescer... Assim como a vontade vinha, sumia em velocidade espetacular.

Um dia me despi, respirei fundo e me posicionei frente ao espelho.

Comecei a rastrear do alto da cabeça.... fui descendo lentamente os olhos, fazendo uma varredura por onde eles passavam e chegando aos pés um sentimento me alcançou: senti vontade de vê-los com as unhas pintadas de vermelho.

Fui até meu baú de fotografias, comecei a remexê-las, quem sabe aquela caixa cheia de registros pudesse dizer alguma coisa sobre meu novo paradeiro.

Vasculhando as imagens um filme foi passando pela minha mente, quanta coisa foi diferente do que imaginado anos atrás. Inevitavelmente fazemos planos, projetamos o futuro e quando o futuro se torna presente nem sempre as coisas aconteceram como pensávamos, a bem da verdade, em sua maioria, ocorrem de forma bem diferente. O que não significa ser ruim...

Senti saudades de mim... mas, quem eu era? Aquela de antes ou a que eu estava?

Nesse período desenvolvi uma relação muito estreita com o espelho.

Sabe quando estamos apaixonados, que desejamos estar juntos todo o tempo, que as horas passam e não nos damos conta?
Assim foi naqueles tempos, confesso que eu estava mais enamorada do que ele, o buscava constantemente, queria ouvi-lo, investigar seus sentimentos e como todo relacionamento houve seus contratempos.

Não foram poucas as vezes que trocamos palavras duras, que o brilho dos nossos olhos se intensificaram, não por enamoramento, mas por raiva, por querer impor cada um o seu modo de pensar, de querer prevalecer sua vontade.

Fazíamos as pazes, nos abríamos a concessões, nos amávamos por uns tempos, até surgir um novo dissabor.

Assim foi naqueles tempos, a ficha definitivamente caiu de que eu não era, nem seria mais a mulher de outros tempos, tampouco a daquele momento.

Havia em mim um pouco de cada e, ambas, juntas, entre trancos e barrancos, bons e maus momentos, construíram uma mulher para os novos tempos!

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*Isolda Risso é pedagoga por formação, coach, cronista, retratista do cotidiano, empresária, mãe, aprendiz da vida, viajante no tempo, um Ser em permanente evolução. Uma de suas fontes prediletas é a Arte. Desde muito cedo Isolda busca nos livros e na Filosofia um meio de entender a si, como forma de poder sentir-se mais à vontade na própria pele. Ela acredita que o Ser humano traz amarras milenares nas células e só por meio do conhecimento, iniciando pelo autoconhecimento, é possível transformar as amarras em andorinhas libertadoras.
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