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Colunas

Em nome do trabalho...

Isolda Risso

Não faz muito tempo me peguei tendo uma atitude que me deixou envergonhada. Era um daqueles dias que para cumprir a agenda o dia teria que ter pelo menos mais cinco horas. No dia anterior eu já havia remanejado alguns compromissos do tipo: remarcar dentista, adiar o retoque da raiz do cabelo, e a lista do supermercado definitivamente ficaria para quando Deus desse bom tempo ou a fome apertasse.

Era início da tarde e o celular toca...

“Alô”!
“Isolda”?
“”Sim”!
“Isolda é X, menina faz tanto tempo que procuro seu número, perguntava para um, para outro e ninguém sabia, até que encontrei seu irmão na exposição e ele me passou. Que alegria poder falar com você. Sinto tantas saudades daqueles nossos papos”.

Já que não consegui associar o nome à pessoa, busquei na memória auditiva de quem seria aquela voz. Sem resultado, não escapei da constrangedora pergunta: “X, X de onde”?

Na tentativa de diminuir o desconforto, falei em tom de brincadeira: “sabe como é, a idade chega e a memória se compromete”.
Do outro lado da linha ouço uma risada e ela fala: “tem perigo não, faz tempo mesmo que a gente não se vê e passou a comentar situações, aí não demorou e a imagem de seu rosto se descortinou para mim”.

“Ahhhhh ... sim... como você está? Que surpresa”...

A partir de então a conversa se estabeleceu, ela narrava sobre sua vida e questionava sobre a minha. Aquele tipo de prosa de quem não se vê há muito tempo. Casamento, filhos, pai, mãe, trabalho, fatos alegres, tristes, enfim...

A conversa foi se estendendo e eu ficando cada vez mais tensa, afinal tinha tanta, mas tanta coisa a fazer, que ficar de papo no celular aquela hora era tudo o que eu não queria. Dei um jeito de encurtar a prosa e de forma quase deseducada, me despedi.

Me envolvi novamente com os afazeres, mas uma voz ficou martelando na minha cabeça, uma voz de culpa e recriminação. Quanta falta de sensibilidade a minha, uma pessoa que fez parte da minha vida, uma amiga que por questões da vida nos separamos e agora em nome do trabalho eu não dei a atenção devida. Na verdade, acabei me privando de desfrutar de uma boa conversa e resgatar laços. Naquela noite fiquei refletindo sobre a forma que estamos vivendo.

A frase que mais escutamos é: estou na correria...

Nossos dias tem sido preenchidos com tantos afazeres, todo mundo correndo que fica inevitável não se perguntar: “estamos correndo atrás de algo ou estamos correndo do quê”?

Acreditamos que trabalhar, estar em contínua atividade, adquirir cada vez mais coisas é sinônimo de se amar, o que também não deixa de ser uma forma até necessária de se atender, mas por que será que a sensação de vazio tem aumentado entre a população? Alcançar estabilidade financeira, status ou poder não tem diminuído o desconforto emocional que assola a sociedade pós moderna.

O fato é que a forma como estamos conduzindo a vida tem nos tornado mais impacientes, estressados, solitários e cansados. A gente dorme e acorda mais cansado.

Em nome de pagar as contas estamos nos enjaulando em nós mesmos... o estrago provocado em decorrência desse comportamento ainda não sabemos. Nem os especialistas em comportamento sabem onde isso vai parar, com certeza em bom lugar que não é...
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