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Colunas

Grace e eu...

Isolda Risso

Estávamos eu e Grace tricotando sobre nossas vidas. Aquele tipo de prosa em que se mistura receita de bolo com artes plásticas, roupa com roteiro de viagem. Uma está falando da mais nova base que cobre todas as imperfeições da pele e a outra entra com a insensibilidade da nora, a gracinha da neta, descamba para filhos e genros.

Reposição hormonal é um assunto que para quem tem mais de cinquenta é recorrente, falamos de sonhos que só ficaram nos sonhos , outros que se concretizaram, o tesão, o orgasmo ou a falta de ambos .

Rolam novas ideias, raivas desconhecidas vem à tona e tomam seu lugar com direito a rompantes de fúria. Lágrimas brotam em nossos olhos, de dor e de compaixão por mim, por você, por ela, por todas nós.

Compartilha-se o que temos de mais íntimo, acolhemos e somos acolhidas, é o certificado de que não estamos sós nesse mundão de meu Deus. É... não estamos sós , ao menos enquanto tivermos amigos a solidão não assola.

É assim que funciona quando duas ou mais amigas se juntam com o firme propósito de colocar para fora tudo que está entalado ou o que está sendo planejado. Todos esses assuntos são falados quase que ao mesmo tempo, a gente não se confunde, de vez em quando uma perde o fio da meada, mas, rapidinho a outra o recoloca de volta e dá tudo certo.

Ao final do encontro filosofou-se muito sobre tudo e nada, mas voltamos para casa mais arejadas, animadas e prontas para encarar o bom e velho cotidiano. Envolvida nesse contexto Grace solta: “Fico puta com essa história de melhor idade, melhor idade, nada!

EU : “Cruzes, mulher, o que deu em você , de onde tirou isso”?
ELA: “De onde ? da minha dor nas costas, já tomei tudo e não passa”.
Eu : “O que dor nas costas tem a ver com a melhor idade? eu, hein”...
ELA: “Quem é que tem dor aqui, dor ali, acolá? Você já viu jovem reclamar de dores nos quatro cantos” ?
EU : “Não concordo com você , tudo bem que seria ótimo poder congelar os anos, mas já que não dá, vamos aproveitar o que a maturidade pode nos oferecer de melhor que é a experiência, que só se adquire com a idade, bela”!
ELA : “E para que serve experiência de velho ? Para nada, quem quer escutar velho? Velho abre a boca e todo mundo manda calar porque você é ultrapassada, não sabe nada, que você é do século passado, etc..”
EU: “Não é bem assim, hoje me sinto mais à vontade comigo mesmo do que quando tinha 30 anos. Administro melhor minhas ansiedades, minhas angústias, inseguranças, pelo amor de Deus, tente ver o lado bom da coisa”.
ELA: “Pois eu preferiria continuar me roer de ansiedade a ter a experiência que tenho hoje . Troco toda segurança pelo brilho dos olhos que só os jovens tem. Hoje osso dói , cabelo cai , unha quebra, a pele vive seca, é uma caca”.
EU: “Você está muito amarga, o que aconteceu”?
ELA : “Nada... só fazendo uma constatação. Sabe quando velho é bom? De boca fechada, carteira aberta e panela cheia”.
EU : “Você está fazendo terapia? A minha analista é ótima, por que não marca um horário com ela”?
ELA: “Não preciso de analista, eu queria 20 anos a menos e te garanto que meus problemas estariam 70% resolvidos”.

Grace é exagerada mesmo, é da sua natureza ser intensa...uma mulher muito bonita e muito distante de ser uma velha, mas como toda mulher, o assunto foi para outro rumo e de lá para cá já se passaram mais de dez anos.

Parece que foi ontem, minha amiga continua linda e sábia... hoje penso: sabe que Grace estava certa? Vinte 20 anos a menos me fariam tão bem...
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