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Colunas

Rafael Tahan: do simples e do complexo

Matheus Jacob Barreto

O texto de hoje é especial por muitos motivos. O primeiro motivo: este texto marca minha volta ao Brasil depois de um ano na Alemanha, e com ele retomo as colunas sobre escritores nascidos no Brasil, em Portugal, Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Timor-Leste, Guiné Equatorial, Macau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe; ou seja: volto aos nossos autores da Língua Portuguesa.

O segundo motivo: acredito que não havia modo de recomeçar a fase lusófona melhor do que o modo que escolhi. Indo direto ao ponto: conversaremos hoje sobre Rafael Tahan (1989- ).

Quem já leu os poemas de Rafael Tahan entende meu entusiasmo. Tive o privilégio de acompanhar durante os últimos 5 anos a escrita, a exclusão, a nova escrita e a edição de dezenas de poemas de Tahan, que sempre foi avesso à publicação dos mesmos, e de assistir à transmutação dos poemas primeiros nos poemas definitivos – a transmutação em direção à forma clara e enigmática (sim, clara e enigmática – para citar o célebre itabirano) que por fim atingiram. Assisti também, contente, ao recebimento de um prêmio nacional, o 3º concurso Revista Literária de Poesia 2013, e ao recebimento da menção honrosa no 23º Prêmio Moutonnée de Poesia. Agora, finalmente, eis que um Rafael Tahan de poesia madura nos joga ao colo seu livro “Diálogo”.

Os poemas reunidos em “Diálogo” compartilham de modo geral algo que aqui chamo de ‘precisão de raciocínio entortada em poesia’. Os versos são mínimos, as imagens são pesadas – a leitura em si é pesada, vagarosa, como o passar de bois. O raciocínio desenvolvido neles é levado a cabo com precisão e responsabilidade para com a razão, mas sem prejuízo da musicalidade. Não raro se faz necessário ler a mesma estrofe três, quatro vezes. A recompensa, no entanto, está à altura do esforço.

Nesses e em outros aspectos Rafael Tahan parece afinar seu instrumento com uma tradição impopular de gênios que vai de João Cabral de Melo Neto ao português Jorge de Sena, de Manoel Lopes a Orides Fontela. Digo “tradição impopular” porque são eles os “célebres desconhecidos” – aqueles muito citados e admirados, mas pouco ou nada lidos. Quem entende de poesia, é claro, sabe que os quatro nomes ocupam um lugar bem lá no alto, no panteão mesmo da poesia do século XX em qualquer língua. Os passos de Tahan vão na direção desses gigantes, para o seu (e nosso) contento.

Hoje escreverei pouco e darei meu espaço aos poemas de Rafael Tahan. Acho que a grandeza desses versos já fala por si. Os que estiverem na cidade de São Paulo no dia 01/08 podem comparecer ao lançamento do livro “Diálogo”, que acontecerá na Livraria Martins Fontes da Avenida Paulista, número 509, das 15:30 às 18:30.

Alegrem-se! Não é todo dia que nos surge um poeta desses. Fiquem, por enquanto, com os poemas “Fabulação” e “Tragédia” (e tomem o tempo necessário para a apreciação destas próximas linhas):

FABULAÇÃO
“O caminho de casa é sempre
o mais difícil o chão de
pedra é pra andar.

Se uma flor rebenta no arrimo
do carroceiro, que é parente
de Deus, eis que sua sorte
revela um pequeno milagre.

(Caminho difícil é
o que fazem os olhos
vão sem perícia
entre o que vive)

Flor de carroça
é carregada na
qualidade de flor.

Do encarregado o orgulho
de sua natureza domada,
e caminham juntos,
o jardim e o jardineiro
por hoje, não mais carregador.

Ainda é o seu destino
ir de encontro às
coisas, se não fosse,
a denúncia permaneceria
nas marcas do corpo.

Mais dia menos dia a
carroça para, o transporte
de tração esgota o animal
que puxa.

O homem abandonado a sua
sorte, deixa a natureza
pelo caminho, exausto,
sobre a calçada, despenca e
morre.

Os outros animais
examinam com cuidado
o corpo: descobrem
que a carroça anda sozinha

e mais! Que a gérbera
da carroceria é
flor de supermercado.”

TRAGÉDIA
A Brunna Tahan Fernandes

“Tempo. Lembrança,
à mesma imagem
nunca dar olvido
cansa.

Recorro cena a cena,
tergiversar contigo,
e engano, seduzo,
dou-me. No entanto,
só como a terra dá-se
aos sonâmbulos.

Enquanto isso,
parede viva a sufocar (-te),
subo a emparedar,
(ou dar-te abrigo),

à sombra dos meus
anos, Antígona,
fiz-te e pus-te a amar,
suposto o teu destino.”

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*A coluna Rubrica, publicada às segundas no Olhar Conceito, é assinada por Matheus Jacob Barreto. Matheus nasceu na cidade de Cuiabá/MT. Foi um dos vencedores das competições nacionais “III Prêmio Literário Canon de Poesia 2010” e “III Prêmio Literário de Poesia Portal Amigos do Livro de 2013”. Teve seus poemas vencedores publicados em antologias dos respectivos prêmios. Em outubro de 2012 participou da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Estuda na Universidade de São Paulo e mora na capital paulista. Escreveu o livro “É” (Editora Scortecci, 2013).
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