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Colunas

A reforma, eu e a caixa de fotografias...

Isolda Risso

Inventei de tirar a porta da sala que dá para o terraço aqui de casa, queria mais espaço fechado com um bom ar condicionado, já que na minha terrinha querida pouco se faz com áreas externas em pequenos apartamentos.

Se fosse um terraço que saísse para um jardim com uma boa piscina tudo bem, mas espaços menores abertos em clima tórrido, para mim é inútil.
Depois que tive a ideia me perguntei porque levei tanto tempo para pensar nisso, enfim, antes tarde do que nunca.

Na retirada da porta danificou um pedaço do piso e também o papel de parede, depois vimos que teria que mudar a instalação elétrica para o novo ar-condicionado e......

Ou seja, o furdunço está armado por aqui e, como toda obra, seja ela grande ou não, existe o já que tá mexendo aqui, vamos fazer ali, já que tá trocando isso vamos trocar aquilo, já que tá, já que tá, a coisa migrou para um quarto escritório e ai que furdunçou de vez.

Com isso fui obrigada a desocupar armários, relocar caixas de lugar para abrir espaço para se trabalhar dentro do cômodo.

Em uma das caixas estavam guardadas fotografias antigas que eu trouxe da casa dos meus pais.
Nem me lembrava mais que as tinha, estavam ali esquecidas, amareladas pelos anos e quando as peguei novamente nas mãos me bateu uma saudade jamais imaginada.

Olhando aquelas imagens me lembrei do tempo em que eu era criança e meus pais tinham como hábito visitar os amigos e serem visitados.

Não precisava marcar hora e quando o visitante chegava, ele era recebido alegremente, normalmente chamado de comadre ou compadre. Se a comida fosse insuficiente, rapidinho, sem a menor cerimônia, inventava-se algo simples e gostoso para complementar. Ficávamos sentados ao redor da mesa muito tempo depois que a refeição havia acabado.

As sobremesas lá em casa normalmente eram doces caseiros, minha mãe, como boa mineira, fazia um queijo fresco delicioso e sempre tinha um doce de goiaba em calda para acompanhar.

Depois da refeição os homens iam para a varanda fumar seus cigarros e falar dos negócios, as mulheres juntas arrumavam a cozinha. Quando o café torrado e moído em casa, coado em coador de pano fosse servido, estava dada a largada para o carteado da noite.

Olhando as fotografias amareladas pelo tempo, encontrei a que foi tirada em meu aniversário de nove anos. Eu estava com um vestido verde e uma bota preta, aff, como eu me senti chique naquele dia.

Minha mãe fazia tudo em casa, do salgado aos doces.

A decoração era composta de bexigas coloridas e em cima da mesa, além do papel de bala de coco, tinha também umas capinhas que se colocava na sodinha. Nada além disso e eu achava tudo tão lindo, gostoso e brincávamos tanto que ao término da festa a sensação era de plenitude.

Não se tirava muitas fotografias, juntava-se todos e no máximo umas três ou quatro, mas que duram até hoje.

Na caixa encontrei a fotografia de uma fazenda de café que papai teve muitos anos atrás.
Nesta fazenda passávamos sempre as férias por lá e era a melhor fazenda para mim.

O cultivo de café exigia um número maior de colaboradores e aí que morava a graça.... a colônia era cheia de crianças, nos juntávamos e a brincadeira corria solta.

Brincávamos com bonecas de espigas de milho, tomávamos banho escondidos no córrego atrás da casa... íamos até a plantação em cima de carros de boi e voltávamos sentados nos sacos de café, até descarregar na tulha.

Mergulhei muito em pilhas de café, saía toda empolada, mamãe brigava, falava que ia me deixar de castigo, que nada, no dia seguinte estávamos eu e as outras crianças subindo e descendo naqueles carros de bois para depois nos jogarmos novamente nas pilhas de café.

À noite, todos se juntavam no terreirão à luz da lua ou dos lampiões.

Os homens ensacavam o café seco, as mulheres costuravam as bocas dos sacos, as crianças brincavam de roda e de passar anel.

Quantas boas lembranças contém nesta caixa de fotografias.

Na verdade são bem mais que lembranças...

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*Isolda Risso é pedagoga por formação, coach, cronista, retratista do cotidiano, empresária, mãe, aprendiz da vida, viajante no tempo, um Ser em permanente evolução. Uma de suas fontes prediletas é a Arte. Desde muito cedo Isolda busca nos livros e na Filosofia um meio de entender a si, como forma de poder sentir-se mais à vontade na própria pele. Ela acredita que o Ser humano traz amarras milenares nas células e só por meio do conhecimento, iniciando pelo autoconhecimento, é possível transformar as amarras em andorinhas libertadoras.
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