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Colunas

Olho no lance!!

Raul Fortes

Eu sou do futebol anos 80 e 90. Sou da pelada de rua com o time dos sem camisas. Como um arrebatado pelo futebol de várzea, lembro com carinho dos apelidos inerentes a este esporte. E tenho uma saudade imensa dos estaduais destas épocas. Lembranças de infância e de adolescência.
 
Nós do futebol de rua, do time sem camisa, nos consideramos profundos conhecedores do esporte bretão. O meu primeiro contato com a bola foi na escola, no Colégio São Gonçalo, o CSG, e passei por lá com uma variedade de craques em potencial.
 
Na escola, nos anos 80 e 90, qualquer pelada era um clássico e qualquer espaço nas quadras ou corredores era Maracanã em final de campeonato. Se você é brasileiro e nasceu nessas décadas, sabe do que eu estou falando.
 
Éramos craques com apelidos desde os primeiros anos. Lembro-me bem de confrontos marcantes. De um lado Dinho, Tuca, Vata, Sapulha, Careca, Bicão (craque); e no time sem camisa tinha o Verão, Sarará, Bolívia, Cacá (Franguinho), Betão e Monteiro, um pivô com pouca visão, mas “fazedor” de gols. O futebol dos anos 80 e 90 era abarrotado de  personagens!
 
Outro “campo” que frequentei foi a Rua São Cristóvão, nos bairros Dom Aquino e Poção. Lá a disputa era acirrada. Não era para qualquer um. Fazer tabelas com o meio fio era para poucos! Os torneios de travinha eram mesmo inenarráveis.
 
Puxando aqui na memória, lembro-me de alguns dos incríveis elenco;  Lifa, Banana, Dilmarzinho, Royal, Black, Zé... E do outro lado nomes de peso! Lá na rua, tinham apelidos e apelidos compostos; Rubão, Macalé, Paulinho Louco, Ricardinho e Zé Beiçola. Todos comandados pelo mito Carlos Tatu.
Saia faísca a cada “sambou” do “árbitro” da partida!
 
Na pelada do momento, as cores que ando defendendo, o meu time, o dono da bola se chama Carony Portugal. Ele é o atual presidente e no qual tenho um bom relacionamento e parceria que me faz acreditar na minha provável titularidade.
 
A minha turma de futebol de rua e do time sem camisa, é realmente louca por futebol. Por isso vamos assistir o vai e vem da bola em campo “amador” que têm mais a cara do Brasil que os gramados sintéticos, onde a maioria conta com uniforme completo e nomes compostos. Onde não há aquela variedade de apelidos ou um time com camisa e outro sem camisa, cena tradicional nas peladas dos anos 80 e 90.
 
Nossa preocupação é que, aos poucos, até o campo ruim está recebendo um nome - de certa forma - mais robusto e se transformando em “Arena”. Vai sendo frequentado por vários do futebol de rua, do time sem camisa e umas crias da casa. Até que uma hora sai uma postagem no Instagram como ponto freqüentado por craques peladeiros com apelidos, como, por exemplo, a espinha dorsal de respeito do UCF: Safadão, Xexéu, Pink, Pato Roco, Mumu e Jaum Barulho. E então, numa bela noite, a gente chega ao campo ruim e está cheio de gente que não é do futebol de rua, nem do time sem camisa, nem dos anos 80 e 90, com nome composto na camisa e foi lá só para  ver se tem mesmo craques peladeiros, apelidos e, principalmente, a resenha regada a cerveja de uma marca só.
 
Aí nos olhamos e dizemos: isso aqui era bom antes, quando só vinha a turma do futebol de rua, do time sem camisa. Nostalgia pura. Sempre falamos que íamos aos jogos no Verdão, adoramos dizer que jogávamos no campo antes de ele virar “Arena” e que assistíamos os estaduais na TV acompanhando os cruéis e sinistros, segundo o saudoso narrador. Eu, como torcedor tricolor, puxo uma sardinha para os personagens do carioca; no Botafogo tinha o Valdeir “The Flash”, no Fluminense tinha o Super Ezio e o Rambo das Laranjeiras, Valdir Bigode no Vasco e até um Diabo Loiro, que jogou por aquele time do RJ.

Nas resenhas pós-jogos do FutCanela, pelada que também frequentei, os DJs bons de bola, Edinho e Serginho, sempre exaltaram os estaduais daquele tempo. Aliás, eles fizeram história no time sem camisa com seus apelidos, como vários grandes jogadores dos anos 80 e 90 que tinham apenas o nome no diminutivo. Lembram do Paulinho - o Maclaren? E do Marcelinho - Pé de Anjo? entre tantos outros. 

Sentimos falta dos jogadores de apelidos que estavam nos times de décadas atrás. Eram jogadores que tinham a chuteira toda preta e machucados. Eram “tops”. Mas não nos simpatizamos, ou pelo menos é bem menor, com a maioria dos jogadores de agora, de chuteira colorida e penteados caricatos.
 
A gente gosta do jogador “raiz” que faz o futebol respirar. E a gente não curte as postagens politicamente corretas e os acessórios dos novos jogadores. Não gostamos, mesmo.
 
Vai achando que é fácil ser do futebol de rua, do time sem camisa, dos anos 80 e 90 nos dias de hoje em nosso país! A cada dia está mais difícil encontrar apelidos e campeonatos do jeito que a gente gosta. Os jogadores de penteados vivem sendo poupados, avaliados pela pontuação no cartola e nos games do momento.
 
Seguimos firmes, fortes e atentos às postagens. Afinal, a qualquer momento podem invadir nossas ruas e campos ruins de gente com nome composto, com a chuteira do momento e a difundir isotônicos e pós-treinos pelos quatro cantos do mundo. Que prevaleça a alegria do velho futebol e que nossos filhos tenham a chance ao menos de sentir um pouquinho  como o jogo de antes era demasiadamente diferenciado.

Saudações aos craques peladeiros, do time sem camisa  dos anos 80 e 90. Aos amigos do CSG, da Rua São Cristovão, do Champions Soccer Club, do FutCanela e do Urgente Futebol Clube (UFC) e ao amigo William Reis, que é a bola da vez quando o assunto é futebol.

Bom, agora vou amarrar a chuteira, tirar a camisa, que o próximo é meu!

*Raul Fortes é músico educador e apresentador.
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