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Era do Consentimento

A liberdade não usa sutiã: medo de peitos e a pacificidade de fachada

23 Jun 2013 - 16:10

Especial para o Olhar Direto - Cecília Neves

Foto: Cecilia Neves

A liberdade não usa sutiã: medo de peitos e a pacificidade de fachada
Este artigo não é sobre alguma pessoa de vanguarda do meu dia a dia. Não, este texto é sobre todos nós, a sociedade. Forçados a viver em conjunto, obrigados a obedecer as mesmas leis, somos o que chamam de “povo brasileiro”.

Em muitos comentários, leitores pedem para falar sobre o que está acontecendo, sobre os zumbis do crack, sobre as manifestações, sobre a internet, sobre como estamos indo em direção ao caos. Comentam também que o que falo aqui reflete o fim da família, que minha geração não-religiosa e desmoralizada vai levar o Brasil à ruína.

Analisemos: todas as pessoas têm anseios desejos e diferentes concepções de vida. Grande parte da rotina gira em torno do sexo, porque tudo têm, de alguma forma, relação com os vínculos que formamos com as pessoas.

Pois bem, segundo os comentaristas conservadores, um homem é obrigado a ficar com uma mulher e a mulher é obrigada a ficar com este homem (e não existe variação para esta história), mesmo que no curso do relacionamento descubra-se que ambos fazem mal um para o outro. Para esta corrente conservadora e homofóbica, devemos nos sufocar, guardar, se não matar, nossa essência em nome da “família”.




É deste tipo de pensamento que faz com que projetos como o Estatuto do Nascituro não só sejam feitos, mas que também passem com o selo de “aprovado” em algumas instâncias. São com estas ideias que querem permitir que psicólogos considerem a homossexualidade como algo “tratável”, como doença, como algo que precisa de cura.

Ninguém parou para pensar na frustração, na angústia e no sentimento de impotência que pessoas que serão obrigadas a se submeter a este tipo de ideal tem que passar? Que uma pessoa, quando reprimida, por vezes desliga-se do mundo ou revolta-se de forma violenta e incontrolável?

Queremos nos travestir de pacíficos, quando a verdade é que no cotidiano nossos íntimos borbulham de desejos, frustrações, angústias e até mesmo violência. Depois me pedem para escrever sobre os zumbis do crack, sobre as manifestações, sobre como estamos indo em direção ao caos, sobre como os valores da família estão se perdendo.

Os comportamentos do dia a dia determinam os efeitos de longa data. Não se pode esperar que uma sociedade que não sabe lidar com duas mulheres em um relacionamento amoroso criando crianças, ou dois homens, ou um travesti, ou seja lá o que for, saiba lidar com a explosão de anseios que se vê nas ruas de milhares de cidades desse país.

Para muitos, sou a representação de como estes “ideais morais” estão se desintegrando. Ou pior, perdendo-se. Quando falo que uma mulher gosta de sentir o gosto, a textura, o cheiro e observar as formas da vagina de outra mulher, estou decretando o fim da moral e dos bons costumes. Quando explico que um casal de homens comprometidos, pautados na fidelidade nos parâmetros que eles definiram para si, podem viver juntos com os mesmo direitos de um casal heteronormativo, é o fim dos tempos.

Lidar com mudanças nunca é algo sutil, que flui com naturalidade. Há sempre aqueles que alegam proteger a sociedade contra os subversores da ordem, “da moral e dos bons costumes”. E não digo isso da boca para fora, uma folheada na Constituição brasileira e você verá esta expressão, sem tirar nem pôr. Pensadores, escritores, cientistas, filósofos e todos aqueles que foram de frente com os ideais católicos morreram queimados na fogueira. Era uma época de transição. Assim como agora.

E agora os mesmos comentaristas que condenam estes textos saem nas ruas gritando por paz, quando eles mesmos negam esta paz ao seus iguais. Se você não está entendendo, abra a página principal do site e você vai ver o que está acontecendo diariamente por aqui. Pacífico, não?

Disseram-me repetidas vezes que não há revolução feita com flores. E no nosso atual estado de espírito coletivo, eu acredito. Quando a essência das pessoas for diferente, quando homo, hetero, bi, travesti, transsexual e demais conviverem não em paz, mas em harmonia, talvez a forma de manifestação possa ser pacífica de verdade, e não de fachada. Quando eu abrir os sites e jornais e não espirrar sangue, talvez o mesmo aconteça nas ruas. Isto sim seria uma verdadeira revolução.

Mas vamos ficar por aqui com a foto de peitos, afinal, isso que é ofensivo.


*Cecília Neves é escritora, curiosa sobre o sexo, escreve no Olhar Conceito aos domingos e quer que você compartilhe experiências pelo e-mail cecilia.neves25@gmail.com
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