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Eu sou a lenda: o clitóris, cavalgadas masturbatórias e mulheres machista

07 Jul 2013 - 15:30

Especial para o Olhar Direto - Cecília Neves

Foto: Cecília Neves

Eu sou a lenda: o clitóris, cavalgadas masturbatórias e mulheres machista
Apesar da inteligência, calma e autocontrole, Catarina era ignorada pela mãe. Na verdade, a impressão que a jovem tinha é de que não era querida, muito menos amada. Toda a atenção de Joana ia para o irmão mais novo de Catarina, frágil e adoentado.

Mas esta jovem de 14 anos tinha um hobby: sempre que entrava naquele estado de frenesi, aquela agitação nervosa, trancava-se em seu quarto para se aliviar.

-Aliviar-se como? - você me pergunta.

-Masturbando-se - eu respondo.

Catarina tinha um método: pegava um de seus travesseiros duros, sentava-se com ele entre as pernas e fingia que estava cavalgando. Estimulava o clitóris e toda a região gential com movimentos para-frente-e-para-trás. Fazia isto até a exaustão. Quando ouvia qualquer ruído do outro lado da porta, deitava-se e fingia estar dormindo. Mais tarde ela escreveu que nunca foi apanhada no ato.

Em outra época e praticamente em uma outra dimensão, Anitta também estava descobrindo sua sexualidade. Tinha quase a mesma idade de Catarina quando descobriu que sua vagina podia lhe proporcionar prazer. Mas ao contrário de Catarina, Anitta não explorou isso sozinha, mas com seu primeiro namorado.

Ambos muito novos e desatentos às aulas de biologia, nem Anitta, nem seu namorado sabiam onde fica o clitóris. Eles ficaram juntos por anos, terminaram, voltaram, “só ficaram”, mantiveram um relacionamento a distância, até que enfim terminaram e Anitta foi morar em outro país por um tempo. Em uma viagem na cidade famosa pela libertinagem e jogos de azar, Anitta conheceu um outro rapaz. Semanas depois eles se encontraram de novo e tiveram uma “lua de mel sem compromisso, mas com muito sexo”.

- Eu finalmente achei um cara que sabe onde fica meu clitóris! - Contou-nos Anitta dias depois, mal se aguentando de tanto orgulho e excitação. Perguntamos se ela teve o orgasmo que ela tanto queria. Ela respondeu que não, mas que “chegou perto dessa vez”.

Agora vamos explicar um pouco mais sobre as diferenças entre Anitta e Catarina. A primeira não tem realmente esse nome, é minha amiga e vive no século vinte e um. Já a segunda chama-se realmente Catarina, foi imperatriz da Rússia no século dezoito, é conhecida como “a grande” e teve suas cavalgadas masturbatórias por volta do ano 1743.
                         

Catarina vivia em uma sociedade com resquícios feudais e machista, onde as mulheres serviam para dar herdeiros ao trono, ou, as menos privilegiadas, para dar continuidade à espécie e cuidar do lar e de “seus homens”. Catarina mesmo assim depôs seu marido, subiu ao trono e viveu sob suas regras. E mesmo quando era apenas uma criança oprimida e rejeitada pela mãe, teve a “audácia” de se conhecer por si só.

Anitta é uma mulher que tem o mundo nas mão. É inteligente, amada por seus pais, é bonita e pode ser o que quiser. Mas sofre. Sofre por não ter um namorado, sofre porque acha que talvez nunca vá casar, sofre porque nunca teve um orgasmo. Mas ao mesmo tempo não se sente confortável em conhecer a si mesma. Não quer ver como ela é.

-Eu não tenho que saber onde fica, isso é obrigação do homem! - ela respondeu quando perguntamos porque ela nunca procurou descobrir onde ficava o próprio clitóris.

Isso tudo na época da internet, da informação instantânea e dos tutorias do youtube. Realmente me intriga que uma menina do século 18, com toda a rigidez e machismo exacerbado de 270 anos atrás, consiga ser mais revolucionária, mente aberta e de vanguarda que as mulheres de hoje em dia.

-Mas você está louca?! Olha os jornais, olha os sites! Crianças grávidas, meninas de dez anos tendo relações sexuais com adultos, estupros, perversão, prostituição! Um monte de “ão” que envolve uma vagina promíscua e um pênis bandido! - você reage.

Tudo bem, nesse ponto eu concordo com você. É um tanto quanto assustador a idade em que as pessoas estão se iniciando na vida sexual a dois (ou mais). Fico aterrorizada quando vejo crianças grávidas. Mas não é disso que eu estou falando, não é mesmo?

Quando eu digo que Catarina foi mais revolucionária que muitas mulheres de hoje em dia, não quero dizer todas elas. Mas você tem que concordar comigo que o número de mulheres que nunca se masturbaram, nunca fizeram um tour pelo próprio corpo também é significativo. Consequentemente, a quantidade de mulheres que nunca tiveram um orgasmo e de homens que não sabem lidar com as genitálias femininas é, também, muito perturbador.

Lembro-me que Anitta disse que achava que era frígida, pois seu primeiro namorado “comia” um monte de meninas, então como poderia ser ele o problema? Para aquelas que não se conhecem, mas querem ser apresentadas ao próprio clitóris e não conseguem assistir vídeos ou ler sobre isso, criaram até um aplicativo. Seu celular pode te ensinar isso também.

O problema da maioria das mulheres não é frigidez, mas medo de si. Mesmo em uma época com mudança de paradigma, ainda temos mulheres que vivem com ideais de séculos atrás. Hoje podemos encontrar homens mais conscientes da igualdade de sexo e direito das mulheres do que as próprias mulheres.

Não estou dizendo que isso é regra, mas que muitas mulheres ainda tem medo de se assumir como tal. Ninguém é obrigado a ser nada, mas negar o que se é também é um problema.

*Cecília Neves é escritora, curiosa sobre o sexo, escreve no Olhar Conceito aos domingos e quer que você compartilhe experiências pelo e-mail cecilia.neves25@gmail.com
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