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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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O proleta do punk

Capa do livro Commando.

Capa do livro Commando.

Em menos de 140 caracteres, simples como uma Blitzkrieg Bop, a vida de Johnny Ramone pode ser definida da seguinte forma: pedreiro desempregado compra guitarra, monta banda e entra para a história. Se estivesse vivo, o âncora dos Ramones, morto em 2004, vítima de câncer de próstata, certamente não se incomodaria com tal resumo. Descomplicação era seu nome do meio. Assim foi até a morte, pouco antes da qual o roqueiro de Long Island, considerado pela Rolling Stone um dos 20 melhores guitarristas de todos os tempos, resolveu preencher as lacunas.

No livro Commando - A Autobiografia de Johnny Ramone, escrito enquanto batalhava a doença, e lançado no País recentemente pela editora Leya, Johnny narra a ascensão dos Ramones pela mesma ótica proletária, sem firulas, com que construiu a primeira banda punk da história. Desde o início, em 1974, quando Johnny foi demitido de um emprego de construção civil com a implementação da ação afirmativa, que obriga empresas a terem quotas para as minorias, não havia conceitos minimalistas premeditados. Juntou-se com Tommy, um amigo da escola, Dee Dee e Joey. Gostavam de rock, não de blues, ou jazz, apenas rock puro. Chuck Berry, Little Richard, um pouco de Stones e nada mais.

Ninguém sabia tocar. Aprenderam a nadar pulando na água. "Nossas canções saíam de um espaço de influência pura de rock. Elas tinham de ser simples. Éramos forçados a tocar desse modo devido a nossas habilidades musicais limitadas", escreve. A banda de três acordes, como era chamada pelos detratores, debutou no hoje lendário e glamoroso CBGB's, berço de visionários setentistas como Television e Patti Smith, que na época, era "apenas um barzinho velho e seboso no Bowery".

Mas se faltava qualidade técnica, não faltava visão aos Ramones, que desde o início mostravam um afiado instinto pop. Surgiram em meio à emperiquitada cena de glam rock nova-iorquino, com cortes de cabelos semelhantes, nomes fáceis de lembrar, e uma certa dose de purpurina para não ficar de fora. Aos poucos lapidaram o visual histórico: Johnny tinha uma jaqueta de couro Perfecto, os outros começaram a usar tênis Converse, jeans surrados não eram difíceis de encontrar... o resto é história. Mas se aparentavam desleixados, as memórias retratam um grupo extremamente conscientes do pacote que vendiam.

Certa vez, ainda no início, filmaram uma de suas apresentações no CBGB's. Ao assistirem, fizeram algumas mudanças. "Tommy e eu avaliávamos o que fazíamos e como poderíamos melhorar", conta. "Joey ainda dava chutes, ficava de joelhos e cantava, e fazia aquela coisa de bicha roqueira. Era terrível, simplesmente ridículo. Assim, falamos para ele apenas ficar em pé e segurar o suporte do microfone".

A técnica de guerrilha que Johnny desenvolveu para tocar a sua Mosrite de um só captador, com stacatos estridentes, passou a influenciar diversas bandas de punk inglesas, e pode ser ouvida até em discos de New Wave e na onda de heavy metal britânica, em bancadas como Iron Maiden. Kirk Hammett, do Metallica, e Eddie Vedder, do Pearl Jam, também os citam como inspiração.

Quanto à lendária cena que rondava o CBGBs, Johnny não se mostra muito impressionado. Blondie era uma banda de pop light. Os Talking Heads não o interessavam ("Não era rock and roll de verdade, era alguma outra coisa"). Andy Warhol e sua trupe eram esquisitões. Para o músico, a ética não era diferente de trabalhar em uma construção do Queens. Tocava, recebia o dinheiro, tomava duas cervejas e ia para casa. Revela que só começou a gastar o dinheiro acumulado com o sucesso quando conheceu sua futura esposa, Linda Ramone. A beldade, por sinal, tinha sido namorada de Joey Ramone, e foi o estopim para o final da banda. Outro incidente, na versão de Johnny, aconteceu durante as gravações de End of the Century, produzido por Phil Spector. O produtor andava armado no estúdio, e infernizava a banda com centenas de takes. Cochichava no ouvido de Joey e sua proximidade pareceu deslealdade para Johnny.

O guitarrista era um americano inveterado. Detestava ter de falar outra língua em turnê, e uma de suas maiores alegrias foi ver uma música do Ramones em um da Budweiser. E até o fim, foi, em essência, o pedreiro de Forrest Hills, Queens. "Tem gente que realmente precisa trabalhar para ganhar a vida. Varrem ruas, recolhem lixo."
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