Telmo José da Costa foi um dos principais nomes envolvidos na primeira escola de samba da capital mato-grossense, a Deixa Cair, e também foi responsável por uma das principais casas noturnas daqui, se tornando um dos nomes fundamentais para o fortalecimento da cultura cuiabana. Em 7 de fevereiro, ele faleceu após uma batalha de quase um ano contra um câncer na próstata.
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Apesar de ser bem famoso nas décadas de 60 e 70, sua fama infelizmente não sobreviveu ao tempo, mas foi fator principal para que algumas pessoas se mobilizassem em campanhas para ajudá-lo em sua última fase da vida. Até mesmo Francisco das Chagas Rocha, amigo de longa data, só soube que ele ainda estava vivo após várias pessoas o procurarem a fim de descobrir seu paradeiro.
Foto: do acervo de Francisco das Chagas Rocha
Francisco conta ao
Olhar Direito que perdeu o contato com ele ao longo dos anos. Telmo nunca ficava fixo em algum lugar que morava por muito tempo, sempre mudando-se de bairro a bairro quando julgava necessário. A perda de contato foi inevitável, não só com Francisco, mas com boa parte de seus amigos da época que também só ficaram sabendo de seu paradeiro no último ano de sua vida.
Os pouquíssimos parentes ainda vivos também não tinham contato com Telmo, e muitos só apareceram por conta de sua morte. Seus irmãos eram os únicos com quem tinha uma certa proximidade, principalmente Benjamin, que também era homossexual. O segundo irmão, Ivo, mora no CPA, mas ninguém sabe de seu paradeiro, mesmo após a morte de Telmo.
Identificado por amigos e familiares próximos como gay, Benjamin atendia e era conhecido por todos pelo nome de Sheyla, em uma época onde debater sobre transsexualidade era impensável e inalcansável. O irmão, com o passar dos anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, capital, após conhecer a Família Matozzo, fazendo com que os dois também perdessem o contato.
Em 2018, enquanto travava uma batalha contra o câncer, Telmo queria tentar um novo contato com Benjamin, mas descobriu que ele havia morrido. Francisco foi quem tentou contato com o irmão, por meio de Adelaide Queiroz, quem já havia encontrado ele no Rio algumas vezes.
A batalha contra o câncer aconteceu na última de tantas residências que ele já tinha morado: uma humilde kitnet localizada no Jardim das Palmeiras. Com um salário mínimo de sua aposentadoria, Telmo usava mais de um terço somente para o aluguel, enquanto o restante era destinado para remédios e transporte.
Sem o irmão que tanto amava e sem muitos de seus amigos de longa data, Telmo enfrentou o câncer com a ajuda de pessoas que só entraram em sua vida em 2018. Muitos que contribuíram para sua sobrevivência foram aqueles que conheceram sua história ou ficaram sabendo de seu paradeiro por conta do grupo de Facebook Cuiabá de Antigamente, famoso pelo saudosismo por uma capital que não existe mais.
Com o agravamento do câncer, Telmo precisou se submeter a quimoterapia, conhecido por ser extremamente invasivos, com diversos efeitos colaterais, e com Telmo não foi diferente.
Antes de se envolver com a escola de samba Deixa Cair em 1967, Telmo já era conhecido pela alta sociedade cuiabana por conta de suas casas noturnas, que esteve envolvido até 2009. A soberania não é surpresa já que Telmo “molhava as mãos” dos policiais para manter tudo em ordem, como conta Francisco. Já as prostitutas, ou as “meninas dele”, como o próprio dizia, vinham de várias partes do Brasil. Elas, inclusive, o visitaram em vida, e algumas delas até com seus respectivos filhos.
Sua primeira casa noturna ficava no bairro Baú, mas depois que todos os cabarés foram retirados de lá, tiveram que ir para o Ribeirão. Por lá, Telmo e outras casas permaneceram por muitos anos, porém com o crescimento do bairro Telmo teve que mudar-se próximo à avenida Fernando Corrêa, com um amigo, Gino.
Foto: do acervo de Francisco das Chagas Rocha
Seu envolvimento com a escola de samba era total. Não somente em seu papel em meio a fomentação da escola, Telmo também desfilava fantasiado junto de seu irmão Benjamin. Além dos dois, a escola contava com muitas mulheres, oriundas até das casas norturnas de Telmo.
A Deixa Cair foi criada em 1967, perdurando por mais sete anos, chegando ao fim em 1974. Apesar do curto período de tempo, Telmo, junto de outros nomes como o do carioca Humberto Mendes de Oliveira, o fundador, abriu as portas para muitas outras pessoas que lutam pelo espaço carnavalesco em Cuiabá, como conta Aníbal Alencastro em entrevista ao
Olhar Direto.
Segundo Francisco, todos sabiam sua orientação sexual e ele não a escondia, tanto que teve um caso com um rapaz que mais tarde se tornou prefeito de Cuiabá, porém o fato é tão antigo que poucos sabem quem é este misterioso homem. “Ele venceu todos os obstáculos do preconceito. Ele não se intimidou pelo fato de ser homossexual”, explica Francisco.