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Quinta-feira, 18 de abril de 2024

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pai e filho

Rubens e Estevão de Mendonça: desbravadores de Mato Grosso muito além de nomes de vias

Foto: Rogério Florentino/Olhar Direto

Rubens e Estevão de Mendonça: desbravadores de Mato Grosso muito além de nomes de vias
“As ruas têm alma! Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames, ruas sem história, ruas tão velhas que bastam para contar a evolução de uma cidade inteira”. E assim também são as ruas da velha Cuiabá, como define Rubens de Mendonça em seu livro “Ruas de Cuiabá”. Mal o historiador sabia, mas logo após sua morte, ele e o pai, Estevão de Mendonça, se tornariam vias na capital mato-grossense. Duas vias, distantes uma da outra por 5.2 km, mas que estão ligadas pelo laço sanguíneo.



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Estevão de Mendonça (1869 – 1949) foi advogado registrado na Ordem dos Advogados de Mato Grosso (OAB-MT), mas sua preocupação em registrar os fatos passados e a preservação documental de um estado esquecido no coração do Brasil, o levou a ser um dos maiores historiadores que Mato Grosso já viu.

Do alto da sacada do Palácio da Instrução, cuja biblioteca leva o nome do avô, Adélia Mendonça – neta de Estevão e filha de Rubens - conta a história da família, como se fosse para Cuiabá inteira ouvir. “Eu acho que Cuiabá era tão insipiente naquela época, e meu avô era um homem tão abnegado, que ele resolveu diversificar as atividades dele. Eu acho que enquanto historiador, ele erigiu um monumento para a história de mato grosso, as ‘Datas Matogrossenses’”, explica a neta, sobre as múltiplas profissões do avô.

Caligrafia de Estevão de Mendonça
Multifacetado, Estevão foi topógrafo, professor e escritor. Quando Monteiro Lobato veio a Mato Grosso, ficou impressionado com a grafia precisa e desenhada de Estevão e o descreveu como “um diamante incólume descoberto nesse estado”. 

A neta, que não chegou a conhecer o avô, o descreve como uma pessoa serena e sisuda, a partir do que contava seu pai e outras pessoas. “Você conhece a grafia do vovô Estevão?”, ela me pergunta. “A letra dele era uma coisa extraordinária, que só uma pessoa de um equilíbrio muito grande, uma concentração muito boa e determinada conseguiria fazer uma letra daquela. Eu não dou conta”.

O livro “Datas matogrossenses” foi uma de suas maiores publicações, cuja primeira edição saiu em 1919. A escrita de Estevão também se desenvolveu em jornais da época, e ele chegou até mesmo a ser cotado como deputado, interventor e presidente de Mato Grosso, mas recusou
tudo. Adepto a teoria de Barão de Melgaço, ele dizia que “a política não me serve e eu não sirvo pra política”.

Mais tarde, Rubens de Mendonça começou a desbravar a terra do ouro e do garimpo que foi aberta pelo pai, mas seguiu outros rumos além de seu legado. Também historiador e autor de 40 obras, foi no jornalismo que ele mostrou mais o seu perfil sátiro. Como a filha relembra, Rubens dizia que “o jornalismo se faz na marra”.

Inclusive, Adélia comenta que esse lado “sátiro” talvez seja um perfil dos Mendonça, conforme ela vem estudando na sua árvore genealógica. “Em 1793 chegou o primeiro Mendonça aqui em Cuiabá: José Zeferino Monteiro de Mendonça. Eu fui dar uma olhadinha, e ele também era dado à sátira. Então eu acho que era um perfil dos Mendonças, porque eu também gosto de vez em quando dar uma tiradinha, né...”, e ri após a confissão.
 

O próprio Estevão ficou 20 anos esperando pela publicação de Datas Matogrossenses. Se não fosse pela sua resiliência, o livro não teria saído. A cada promessa de publicação não cumprida pelo editor, ele acrescentava mais história ao longo das 400 páginas da obra. Em uma dessas feitas, escreveu a trovinha:

“Graças a deus que eu já tenho duas camisas pra trocar;
 uma que me prometeram, e outra que vão me dar”.


No livro “Ruas de Cuiabá”, Rubens narra que ele costumava andar pela capital mato-grossense com o pai, e sempre que perguntava “quem foi essa pessoa que nomeia a rua?”, Estevão dava uma longa aula de história. Com Adélia, que começou a trabalhar muito cedo, Rubens sentava na calçada para conversar à noite – um costume bem cuiabano – e os vizinhos, como Dom Francisco Aquino Corrêa, se uniam na contação de causos.

Adélia e o pai, Rubens de Mendonça

Uma história que Adélia relembra do pai é de seus tempos de boêmia. “Ele contava uma história muito interessante, que uma vez ele chegou em casa passando muito mal, aí vovô o repreendeu. ‘Rubinho, o que que é isso?’ e ele respondeu pro vovô ‘não se preocupe papai, que foi um pastel que eu comi’. Dias depois, ele apareceu em casa do mesmo jeito e vovô disse pra ele ‘Rubinho, comeu de novo o pastel?’”.

Após 36 anos da morte de Rubens de Mendonça, circulam pela avenida que leva seu nome mais de 500 mil pessoas, muitas das quais sequer sabem de sua história. Não à toa, Estevão de Mendonça, que além da rua também foi homenageado com a maior biblioteca do Estado, previu esse esquecimento, quando escreveu que quem morre em Mato Grosso, morre duas vezes. Os dois diamantes multifacetados permanecem incólumes na memória viva de seus parentes e de seus escritos. 

“O tempo tudo consume
É esta a verdade crua;
De muita gente o renome
Só fica, se fica o nome
Na placa de alguma rua”.
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