Olhar Conceito

Sexta-feira, 19 de abril de 2024

Notícias | Moda

entrevista da semana

Einstein Halking desvenda parte do conceito de moda e joga seu olhar sobre a arte que não quer se vestir

Foto: Arquivo Pessoal

Einstein Halking, artista plástico, professor, modista, estilista e mais um monte de coisa

Einstein Halking, artista plástico, professor, modista, estilista e mais um monte de coisa

Esta foi uma das entrevistas mais non sense que já fiz. E também uma das mais divertidas. Não que tenha feita muitas, mas também não foram poucas. Mas a particularidade desta... não era para menos. Do outro lado estava Einstein Halking, artista plástico, professor, modista, estilista, boêmio e mais uma centena de outras coisas que pessoas normais (?) não conseguem fazer ao mesmo tempo.

Leia também
Dewis Caldas leva Luiz Gonzaga à Europa e de lambuja circula pelo Festival de Veneza
Produtor cultural cuiabano é um dos entrevistados do Roda Viva de hoje

Vou tentar começar por algum começo. Em 2007 deu vida ao livro ‘A MODA A MODO DO MATO’, lançado dois anos depois. A obra traz várias entrevistas com diversas pessoas ligadas ao mundo fashion de Mato Grosso. "Registro a história da moda no Estado e mostro ainda algumas de nossas tendências", disse ele em entrevista a um jornal local à época de sua estréia na seara da literatura.

A entrevista com o consultor e professor de moda e ex-conselheiro de suplemento de cultura de um periódico mato-grossense foi feita como convém aos tempos atuais: por meio de uma rede social. Para conseguir coloca-lo no ‘bate-papo’, foi preciso driblar sua apertada agenda. O rapaz, de nome curioso, atendeu a reportagem do Olhar Conceito às 16 horas em ponto (horário marcado pelo próprio Einstein Halking). A formatação da entrevista foi feita na hora. Eu, o entrevistador, disse a ele que queria fazer algo novo (um jeito que achei para chamar sua atenção).

Expliquei que queria entrevista-lo sob uma perspectiva totalmente desconstrutiva, nada convencional, quase como se o New Journalism (escola de Jornalismo surgida nos Estados Unidos na segunda metade do século passado) parisse um filho punk.

Fiz uma série de observações. “Você decide os tópicos e embebeda o jornalista no que você acredita ser uma entrevista; escancare as estruturas velhacas e jornalismo panfletário no limbo e recrie, ao nosso modo, o que seria uma entrevista”. Ele topou. Perguntou a si questionando a mim como começaria. ‘Por onde eu começo?’, indagou-se.

Informei-o que o tema seria livre (mais outra pegadinha), e que as únicas regras que deveríamos seguir eram as seguintes: ‘Você necessariamente deve falar de seu trabalho, como enxerga o mundo da moda, a relação dela com sua arte e o que te levou a tentar a vida em São Paulo’. Foi quando me atrevi a empurrar a primeira pergunta. “Vamos começar pelo começo: Por que moda? moda é arte?”.

Mal terminei de digitar minhas idéias, ele soltou um torpedo de lá. “HAHAHA!!! Ok. Eu começaria com: QUAL É A SUA?”. Nada mais pude fazer a não ser deixar o entrevistado se auto-entrevistar. O resultado você confere a seguir.

Olhar Conceito - Além de nos proteger da hipocrisia do falso nu, para que mais serve a roupa?

Einstein Halking - Vou começar a responder então. 01) Qual é a sua? Me chamo Einstein Halking, tenho 30 anos, sou do signo de Libra com o ascendente em Sagitário (o que significa que estou em pleno inferno astral) e venho de uma família de nordestinos excêntricos.

Olhar Conceito - E isso quer dizer exatamente o que?

Einstein Halking - Espera, não terminei. Estou fazendo a apresentação. Mas eu estou pensando melhor em fugir disso. Né? Já que você propôs fugir do convencional. Me deu um nó aqui. Faça as perguntas que eu respondo, não estou cabeça pra pensar em perguntas e tals. Sorry.

Olhar Conceito – Okay.

Einstein Halking – “Por que moda? Moda é arte? e Além de nos proteger da hipocrisia do falso nu, para que mais serve a roupa?”, responderei essas duas por enquanto.

Olhar Conceito – Faça como preferir.

Einstein Halking – Primeiro, por que moda? Durante muito tempo eu trabalhei com artes plásticas, desenvolvi uma série de criações que refletiam sobre questões sociais, políticas e econômicas universais partilhadas pelo Homem, bem como questões de ordem filosófica inerentes à condição humana. Mas eu percebi que o meu trabalho estava cada vez mais perto do corpo e eu utilizava tecidos ou não-tecidos, linhas e agulhas para construir objetos-vestíveis e pensei: PQ NÃO MODA?

Olhar Conceito – Porque a moda? Jogada ao lixo e mais pisada do que o pão que o diabo amassou, delegada a sub-arte, porque alguém com uma carga cultural tão extensa optou por fazer roupas?

Einstein Halking -
Ok, a moda é um fruto podre do capitalismo, carente, dissimulado e suicida. Mas não é exatamente na moda que eu estou interessado e sim na capacidade que o usuário tem de inventar mundos (e dialogar) através da roupa. Conheço o funcionamento doentio da moda, mas não é nisso que eu trabalho, procuro desenvolver objetos-vestíveis que expressam as minhas preocupações e inquietações e que provoquem sensações e reflexões no outro. Eu realmente acredito que a roupa possa mudar o mundo.

Acabei forçando a barra?

Olhar Conceito – Não. Você vive em cada palavra que profere Einstein. É o sonho de qualquer repórter. Por favor. Continue.

Einstein Halking – Segundo, moda é arte? Durante muito tempo eu acreditei que moda não é arte. Sim, porque a arte não tem necessidade de ser efêmera. A moda ela precisa ser efêmera pra existir, sem isso ela nem existiria. A moda já nasce pra morrer, para dar espaço ao novo, entende? E a arte não precisa disso.

Olhar Conceito - A moda é a natureza, ela precisa do ciclo da vida e da morte pra existir, é isso? Ela supera a arte? Ou ela é extensão da expressão humana? É algo maior, como diz o ditado inglês ‘larger than life’?

Einstein Halking - A moda é uma máquina e a arte é natureza.

Olhar Conceito - A moda quer ser arte ou ela se contenta em ser uma prostituta?

Einstein Halking - Depende do cliente. (Risos). Explico melhor. A moda se aproxima de elementos artísticos para ganhar o status de arte, isso é fato. Se lembrarmos de alguns estilistas como Yamamoto, Kawakubo, Margiela e Chalayan, eles estão interessados em romper com a ordem "beletrista" que existe na moda e na arte, de que moda não pode ser arte e arte que não pode ser moda.

Olhar Conceito – E o que faz essa turma?

Einstein Halking - Eles rompem com isso lindamente. Com as barreiras rompidas, há espaço para tudo e todos. E há os artistas que criaram objetos-vestíveis, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Lucio Fontana, Salvador Dalí...

Olhar Conceito - Existe alguém aqui no Brasil que faça isso atualmente?

Einstein Halking - Jun Nakao, sem dúvida.

Olhar Conceito – Quem é ele?

Einstein Halking - Nakao não trabalha mais hoje, há boatos de que ele voltará a criar, mas não tem nada confirmado. "A Costura do Invisível" foi o seu último desfile. "A costura do Invisível" foi todo construído em papel vegetal cortado/recortado a laser e no final do desfile as modelos rasgaram todas as roupas. Um gesto simbólico para expressar o caráter efêmero da moda.

Olhar Conceito – Quem faz parte de público que se interessa por moda...(até que sou interrompido pelo entrevistado/entrevistador).

Einstein Halking – Respondendo a sua última pergunta: O Homem nasce com o corpo que lhe é dado pela natureza. Através do corpo nu, podemos expressar o nosso mais íntimo EU, cada sinal, ruga, verruga, cicatriz, etc. guarda uma história para contar ou um segredo para esconder. Quando a roupa nos surge, encontramos nela a possibilidade de nos proteger não só das situações climáticas e dos perigos que a natureza nos proporciona, como também para esconder o que não queremos mostrar ou exibir o que queremos esconder. Enxergamos na roupa a possibilidade de construir um novo EU, capaz de expressar inúmeros códigos/símbolos que ao serem decifrados comunicam informações/mensagens das nossas intenções, das nossas ideologias, dos nossos desejos, dos nossos sentimentos, das nossas opiniões, das nossas vontades etc. Devido à necessidade do Homem de comunicar-se com o outro, a roupa também funciona como código de pertencimento, logo, vestir aquela peça pode significar que o Homem pensa de uma determinada maneira e pertence a um grupo de semelhantes que, por sua vez, são iguais e se diferem de outros grupos “semelhantes” entre si. Interagimos simbolicamente com o outro em posse das diversas escolhas que fazemos e dos signos e imagens que consumimos e transmitimos através das roupas. Dessa forma, é possível identificar através da roupa o espírito de um período (zeitgeist), entender a organização e a dinâmica político-social, os tipos de interações e relações humanas e sociais, o comportamento e a sensibilidade de uma época e também contar histórias pessoais da vida cotidiana, pois as roupas nos falam, acima de tudo, de emoções, experiências e conquistas – apesar dos homens, muitas vezes, se definirem mais pelas suas posses que por aspectos de natureza interna. Então, se o nosso corpo é um suporte sobre o qual inscrevemos projetos e narrativas, mensagens e códigos, a roupa é uma comunicação não-verbal, que não fala, mas que articula a nossa existência e a nossa relação com o mundo: nós falamos através das nossas roupas, expressamos signos visíveis da nossa condição social e de nossa auto-expressão pessoal. Compramos não apenas pedaços de tecidos costurados, mas os nossos interesses e nossas preferências que transmitem mensagens sobre nossa identidade e status social. Produtos e marcas pessoais nos ajudam a confirmar a própria imagem e definir nossas frágeis fronteiras de subjetividade, mas também prometem a experiência de novas identidades e da transformação de si.

Olhar Conceito – Em resumo…

Einstein Halking - Resumindo, o que seria da Lady Gaga sem roupa? O que seria da Madonna sem o figurino do Gaultier (Jean Paul Gaultier, famoso estilista francês que criou os icônicos sutiãs em forma de cone usados pela artista na década de 90).

Olhar Conceito - O que seria da Lady Gaga sem o Alexander McQueen (estilista inglês) ou da Madonna sem os icônicos e cônicos sutiãs...

Einstein Halking –
Pois é. A roupa conta uma história.

Olhar Conceito - Pois bem, já que a arte não é moda, o vestido Mondrian, de Yves Saint Laurent, não significa nenhum tipo de redenção para os fashionistas? Existiria o punk sem Vivienne Westwood?

Einstein Halking - Então, é como eu já disse durante muito tempo eu acreditei que moda não é arte. Mas afirmar isso é ir contra tudo o que eu faço. Hoje eu penso que a moda torna a arte "acessível" para todos. Quando Laurent se inspirou no Mondrian, foi uma tentativa brilhante de ganhar o status de arte. Vamos recordar aqui que a moda dos anos 1960 a 1980 tinha uma dinâmica diferente dos tempos atuais.

Olhar Conceito - Explique melhor essa dinâmica.

Einstein Halking - Westwood não inventou o PUNK, mas ditou para o resto do mundo o code dress punk.

Olhar Conceito - Mas o visual punk é creditado à ela.

Einstein Halking - Sim, sem dúvida. Sem sombra de dúvida. Vivienne Westwood e Malcom Mclaren foram os responsáveis pelo code dress punk.

Olhar Conceito - Certa vez, em algum blog de moda, li que quando o David Bowie criou a personagem Ziggy Stardust e sua identidade visual ele quis dar a entender que moda é sim arte, que sem a roupa Ziggy Stardust não seria nada. A credibilidade autoral de um artista como Bowie faz algo pela moda?

Einstein Halking - Hoje eu acredito na moda como uma expressão da arte, a Alta Costura está aí pra provar isso, que Riccardo Tisci diga. David Bowie foi um dos primeiros artistas da música que compreendeu a importância da roupa na construção de uma imagem que expressa o seu universo. Ele fez bom uso disso.

Olhar Conceito – A filosofia trata disso.

Einstein Halking - Uma vez eu li no livro "Crítica e Clínica" de Deleuze que se a arte é "inventar mundos" (como ele mesmo definiu) que desafiem o mundo existente, criar e materializar novas sensibilidades, escutar o tempo, resistir aos mecanismos dominantes, então a moda criada por Laurent, Bowie e Westwood tem sido aquela que produz imagens tóxicas, que incomodam, que quase sempre tem a ver com beleza (o que é belo pra você?).

Olhar Conceito – Mas nem todo mundo consegue atingir esse estado de pureza artística.

Einstein Halking - Convenhamos que a roupa feita por Laurent é uma coisa e a roupa feita pela Zara é outra coisa totalmente diferente.

Olhar Conceito – Pra terminar esse vestido de seda banhado a sangue...

Einstein Halking - Eu tenho duas coisas pra escrever. Uma é que a discussão sobre moda e arte, no meu ponto de vista, não é tão significante nos tempos atuais, o que torna importante e significativo é a intenção do artista. Explico melhor. Quando Duchamp surgiu com o seu mictório, derrubou todos os valores beletristas das artes e sugeriu que qualquer coisa poderia se tornar arte. Desde então o tudo e o nada se tornou arte, logo, a ausência de estilo tornou-se o próprio estilo, a falta de identidade tornou-se a própria identidade. E o que importa mesmo é a intenção do artista, a mensagem que ele gostaria de transmitir através do seu trabalho. O conceito é a chave e o objeto é o seu meio. Outra coisa. Ontem eu escrevi que a moda praticada nos anos 1960 e 1980 era diferente dos tempos atuais. Gilles Lipovetzky definiu a moda daquela época como A MODA ABERTA, onde todas as barreiras foram da moda foram rompidas. A França deixou de ser a capital da moda, a perfeição foi questionada com os estilistas japoneses e belgas, e as ruas começaram a influenciar as passarelas.

Olhar Conceito - E quando ocorreu essa mudança?

Einstein Halking - Mas daí chegamos ao século 21 com a impressão de que tudo já foi feito. De que não há nada a ser feito. Seria Duchamp o culpado disso? O que sobrou no século 21 é o reaproveitamento das idéias. Reciclagem. Novo mesmo é a forma como recriamos algo já existente. E a tecnologia tem sim o grande aliado.

Veja e olhe:http://einsteinhalking.tumblr.com/ e http://eh-portfolio.tumblr.com/
Entre em nossa comunidade do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui

Comentários no Facebook

Sitevip Internet