O que parecia ser uma situação isolada no município de Sinop (479 km de Cuiabá), ganhou contornos dramáticos para os profissionais da cultura de Mato Grosso. Um levantamento, feito por meio do Sistema Nacional de Cultura, apontou que 19 municípios do estado podem perder os recursos recebidos por meio da Lei Aldir Blanc, criada para amparar os artistas prejudicados pela pandemia da Covid-19. De acordo com o documento, são R$ 2.839.890,00 em recursos parados na conta das prefeituras.
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Entre os municípios que até o momento não utilizaram a verba recebida estão: Sinop, Alto Boa Vista, Alto Garças, Alto Paraguai, Campo Verde, Canabrava do Norte, Colniza, Denise, Guarantã do Norte, Luciara, Nova Bandeirantes, Pedra Preta, Planalto da Serra, Pontal do Araguaia, Santa Terezinha, São José do Rio Claro, São José do Xingu, São Pedro da Cipa e Taboparã.
Ainda segundo os dados dispostos no levantamento, dos 81 municípios que receberam recurso da Lei, apenas 22 utilizaram toda a verba disponível. Já outras 40 cidades estão com parte do recurso em caixa, como é o caso de Cuiabá e Várzea Grande.
A equipe do
Olhar Conceito entrou em contato com a Prefeitura de Pontal do Araguaia, um dos municípios que apresentaram problemas na utilização do valor recebido. Como resposta, a secretária municipal de Educação, Wandeir Silverina, afirmou que não possuía nenhuma informação sobre a Lei. "Estamos com apenas três meses de gestão e ainda não tive como ver nada da cultura", afirmou.
De acordo com fontes da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel), dentre os municípios que não utilizaram o valor recebido, Sinop é um dos com a situação mais crítica. Apenas no caixa da Prefeitura da "Capital do Nortão", como é popularmente conhecida, são mais de R$ 900 mil reais que deixaram de ser empenhados no prazo.
O caso de Sinop
Diferente de outras cidades, que não chegaram a abrir editais públicos para convocar a classe artística, o município criou uma articulação entre a Diretoria de Cultura e a Associação Cultural de Sinop, com o objetivo de reunir os artistas e propor a construção de materiais audiovisuais que falassem sobre os processos culturais produzidos pela classe no município.
Após as negociações,
um edital foi aberto para que os artistas pudessem se inscrever para garantir parte do recurso destinado ao setor. Apesar de entregarem todas as demandas legais dentro do prazo estabelecido, nenhum dos selecionados recebeu o valor prometido.
A justificativa apresentada pelo município é de que o valor não teria sido empenhado no prazo correto, 31 de dezembro de 2020, e por esse motivo todo o valor deveria retornar para os cofres da União.
Na ocasião, a classe artística de Sinop chegou a publicar uma nota de repúdio contra a Prefeitura. "A gestão 2020 da Prefeitura demonstou-se incompetente, despreparada e desorganizada, tendo anunciado que os benefícios da Lei Aldir Blanc não serão pagos aos agentes culturais beneficiados por 'erros internos'", descrevia o documento.
Desdobramentos no legislativo
Diante do fato, o deputado Estadual Prof. Allan Kardec (PDT) afirmou ser lamentável o retorno da verba. "Nós aqui de Mato Grosso não podíamos perder esse recurso. O prazo foi adiado, todo mundo sabia, e a gente fica triste em saber que parte desse recurso não foram empenhados. Isso é algo que os artistas vão cobrar. Isso é falta de articulação dos prefeitos com a classe artística", disse o parlamentar.
Questionado sobre os próximos passos diante da provável perda da verba, Kardec comentou que pretende pressionar as prefeituras para que os artistas recebam a verba, mesmo que por meio de outros recursos. "Os prefeitos agora tem que repor esse projeto de alguma forma", finalizou.
Na tentativa de garantir que os municípios tenham mais tempo para empenhar e executar as ações com a verba recebida, deve ser levado ao Plenário da Câmara dos Deputados o
Projeto de Lei 5330/2020, que estabelece a ampliação do prazo final para utilização dos recursos pelos estados e municípios para 31 de dezembro de 2021.
O projeto é de autoria do deputado federal José Guimarães (PT-SE) e deve ser apreciado ainda nesta terça-feira (20). Caso o PL não seja aprovado, os repasses não utilizados deverão ser devolvidos à União até o dia 30 de abril.
Panorama geral
Dentro do comparativo entre os estados brasileiros, Mato Grosso aparece na sexta posição entre os que já executaram a maior parte do recurso obtido pela Lei, com 95,53% da verba utilizada. O estado aparece na frente de unidades federativas como São Paulo (88,65%) e Paraná (15,09%).
A Secel-MT se pronunciou por meio de nota:
A Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT) reitera que a gestão dos recursos da Lei Aldir Blanc foi efetivada de maneira descentralizada entre estados e municípios. Publicada no dia 29 de junho de 2020 e regulamentada pelo Decreto nº 10.464, a lei federal prevê em seu artigo terceiro que cada ente federado possui autonomia para, dentro das regras previstas, a execução de suas próprias ações.
As transferências dos recursos federais aconteceram diretamente às contas das prefeituras para a realização das medidas de suas responsabilidades: subsídio aos espaços culturais e editais. Assim sendo, o Estado não tem acesso ou gestão sobre os recursos recebidos pelos municípios. Além disso, a falta de concretização dos planos de trabalhos apresentados pelos municípios para o recebimento dos recursos não caracteriza responsabilidade do Estado.
Apesar da não obrigatoriedade, o governo de Mato Grosso mobilizou equipes da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT) visando orientar os municípios sobre os itens necessários para receber e aplicar os recursos da Lei Aldir Blanc. Com reuniões virtuais, cartilhas específicas e atendimento individualizado, os gestores municipais receberam um efetivo apoio da Secel e muitos tiveram êxito, conseguindo concretizar seus processos de seleção e pagamento e alcançando resultados positivos na aplicação dos recursos em âmbito municipal.
Para ajudar ainda mais, representantes da Secel e do governo estadual têm feito diligências ao Governo Federal, bem como acionando as bancadas de Mato Grosso no Senado e na Câmara dos Deputados para reforçar o movimento nacional pela prorrogação dos prazos de execução. A mobilização também busca a liberação dos recursos recebidos pelas prefeituras que, por motivos operacionais diversos, não foram empenhados em 2020.
Quanto aos recursos que totalizam R$ R$ 1.341.084,82 e que ainda permanecem na conta do Estado, a Secel informa que se tratam de valores de reversão tardia proveniente dos municípios. Após a falta de aplicação pelas gestões municipais, o montante foi transferido ao Estado somente em meados de dezembro, ou seja, fora do prazo viável para seu empenho e liquidação.
Neste momento, a Secel aguarda que o Ministério do Turismo, por meio da Secretaria Especial da Cultura, cumpra o já anunciaram, que é a desejada ampliação dos prazos para possibilitar a utilização de todo o recurso que visa amparar o setor cultural durante a pandemia.