Até 1890 o casamento religioso era o grande pilar que simbolizava a união de duas pessoas. Tudo mudou quando em janeiro daquele ano Marechal Deodoro da Fonseca permitiu o casamento civil, que não foi enxergado como bons olhos pela Igreja Católica no Brasil e, consequentemente, pelos fiéis. Este tipo de matrimônio era apenas uma das consequências da considerada vida moderna da época, mas um grupo de mulheres em 1924 se uniu em defesa dos bons costumes.
Leia também:
Praça Ipiranga já foi palco de enforcamentos e ficou conhecida como Largo da Cruz das Almas
Um grupo de mulheres cuiabanas — em sua maioria a elite
— compôs a Liga das Senhoras Católicas de Cuiabá. O grupo tinha como um dos objetivo prestar caridade, mas o propósito principal era “reforçar e sustentar a fé católica”, conforme Darlene Socorro da Silva Oliveira explica em
“Liga das Senhoras Católicas de Cuiabá (1924-1935): O Movimento de Ação Católica no Brasil e as Associações Femininas”.
A Liga contou com um Estatuto Provisório que enumerava os deveres das integrantes. Entre os compromissos firmados, estavam: constituir família pelo casamento religioso, batizar os filhos e educá-los “cristãneamente”; combater leituras, teatros, cinemas, modas e bailes que ofendiam a fé a moral; assistência dos pobres e doentes; e propagar em favor da Imprensa Católica.
“Em Cuiabá nos anos de 1920, a preocupação da Igreja Católica referente ao casamento era expressa mediante vários instrumentos, como nas prédicas realizadas durantes as missas, nas visitas pastorais dos bispos, nos boletins impressos e distribuídos durante festividades e também mediante órgãos da imprensa local, a exemplo do jornal A Cruz. Na ótica desse jornal, a ‘vida moderna’ é responsabilizada pela queda do matrimônio”, diz Darlene em um trecho de sua pesquisa.
A inauguração oficial da Liga aconteceu em maio de 1925 e o convite entregue aos convidados enfatizava o seu objetivo: “a defesa dos sagrados interesses da família e da sociedade, ameaçadas, sempre mais, de serem invadidas por hábitos estranhos e tendentes a destruir as tradições de fé e moralidade, quem têm feito a glória e o encanto do lar cuiabano”.
A festa de inauguração foi grandiosa. A Cruz, jornal católico da época, dedicou três páginas sobre o evento, que reuniu toda a elite e autoridades de Mato Grosso, como o Dr. Estevão Alves Corrêa, o presidente do Estado, Dr. Virgílio Corrêa Filho e Dom Francisco de Aquino Corrêa.
“Esses trechos da matéria do jornal, nos levam a compreender a satisfação que eventos como este causaram na sociedade cuiabana. Podemos deduzir que a Liga Das Senhoras foi uma associação que ocupou e exerceu significativo espaço na sociedade cuiabana e ainda, que sua integração se fazia presente nos momentos mais representativos da localidade”, pontua a pesquisadora.
Desde a criação da Liga, anualmente era realizada a Festa de Santa Ana, considerado, talvez, o maior evento do ano para as senhoras católicas. “Santa Anna era uma santa tida pela Igreja Católica como mãe educadora e esposa santa, mãe que guia e que é, sobretudo, a mestra, ou seja, uma representação da Igreja capaz de construir um perfil de mulher. Nada melhor do que seguir, segundo o arcebispo [Dom Aquino Corrêa], os exemplos “daquela” que representou a mãe perfeita e ainda sob o signo da pureza”, explica Darlene.
Um dos convites para a Festa de Santa Ana deixava claro as preocupações políticas dessas senhoras. Segundo a pesquisadora, essas mulheres acompanhavam o cenário político da década de 1920 e 1930. Dom Aquino, inclusive, tinha as mesmas preocupações, expressadas em discursos e falas, com o objetivo de iniciar o movimento de Ação Católica em Mato Grosso.
“Tudo indica que tais mulheres acompanhavam o momento de forte efervescência política e de defesa do Estado de São Paulo, cujo auge se deu na derrotada Revolução de 1932, que tentou exigir do então presidente Getúlio Vargas a promulgação de uma nova Constituição para o país. Tal momento era tomado pela recente ascensão de Getúlio Vargas ao poder e pelos movimentos populares que prenunciavam a instalação do Estado Novo que ocorreria no ano de 1937”.
A Liga das Senhoras Católicas de Cuiabá era um reflexo do conservadorismo pregado pela Igreja, mas Darlene explica que esse tradicionalismo era diferenciado, tanto que muitas delas integram a Liga Eleitoral Católica. “Ao que tudo indica, a mulher poderia participar da vida política, mas a ela eram conferidos e reservados somente alguns lugares”.
“Embora a mulher pudesse ser participante da vida pública, não deveria atrever-se a se igualar ao homem. No entanto, eram consideradas as responsáveis pela formação social e religiosa de suas famílias”. Essas senhoras transitavam na sociedade cuiabana, mas de forma que não ultrapassassem os limites recomendados pela Igreja.