Latas, tampas de amaciantes, frascos de remédios e qualquer outro tipo de embalagem se transformam em bonecas quando recebem o carinho da professora aposentada Regina Zattar de Carvalho, de 59 anos. Depois de criar cada uma delas com fuxico, pedaços de tecido, botões e babados, as bonecas feitas com recicláveis são doadas para crianças que vivem em situação de vulnerabilidade financeira em Cuiabá.
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O projeto começou em 2018, quando Regina ainda estava em sala de aula, durante uma atividade de leitura do livro “Felicidade Não Tem Cor”, de Júlio Emílio Braz, em que a boneca Maria Mariô conta a história de Rafael, que sofre preconceito por ser negro.
“Queria fazer algo diferente com os alunos, que não fosse teatro, algo que eles pudessem ver na prática e, quem sabe, usarem. Já sabia fazer um pouco de fuxico, apresentei para eles a proposta de confeccionarmos bonecas de fuxico, tanto os meninos quanto as meninas se interessaram”.
Regina conta que os professores da escola pública se uniram para comprar os materiais e a iniciativa foi um sucesso entre os alunos. No ano seguinte, o projeto se repetiu e parte das bonecas foram doadas para uma festa de Nossa Senhora da Aparecida, perto de Chapada dos Guimarães.
Com a chegada da pandemia da covid-19, em 2020, ela se viu isolada em casa por conta do risco de contaminação. As bonecas feitas com recicláveis surgiram, então, como uma forma de distração para a professora, que na época ainda não tinha se aposentado e lecionava virtualmente.
Projeto começou quando Regina era professora da rede pública, durante leitura do livro “Felicidade Não Tem Cor”, de Júlio Emílio Braz. (Foto: Olhar Direto)
“Decidi intensificar a produção de bonecas. Estava dando aula online, ainda estava toda aquela situação muito incerta. Comecei a fazer, mas só sabia que queria doar, ainda não sabia como faria isso, porque era pandemia, onde que teria festa de crianças, né? Fomos conversando e descobrindo projetos que fizeram entregas”.
Alunos de Regina também chegaram a receber algumas das bonecas. Entre 2020 e 2022, ela estima que foram produzidas pelo menos 200 peças. Ela explica que desde o início sabia que a intenção do projeto era fazer doações para crianças que, por viverem em situação de vulnerabilidade financeira, não possuem brinquedos.
“Nunca foi minha intenção vender, uma vez uma prima pediu para eu fazer para ela mandar para a nora que ia ganhar neném no Japão. Então, fiz uns bebezinhos para ela mandar, mas não cobro, porque não é essa a finalidade. Às vezes as pessoas me falam para expor em feiras, mas não”.
Grupo Incluart
Antes da pandemia da covid-19, Regina fundou o Grupo Incluart, formado por mães e pais de pessoas com Síndrome de Down, assim como ela, que é mãe de Luciano de Carvalho, de 39 anos. A produção das bonecas é um dos momentos de interação entre mãe e filho, Regina brinca que ele é o responsável por dar o veredito final sobre a qualidade e beleza das peças.
“Ele me ajuda, às vezes falo para ele: Luciano, puxa a agulha aqui para mim ou segura o cabelo da boneca para fazermos uma trança. Até quando vejo que ele está meio paradão, para ele interagir, é bom para nós dois”.
Regina brinca que o filho é o responsável pelo veredito final sobre a qualidade e beleza das bonecas. (Foto: Olhar Direto)
No Grupo Incluart, que atualmente está inativo por conta do período pandêmico, as crianças e jovens tinham contato com o Siriri, além de terem feito apresentações da dança típica cuiabana. Entre 2021 e 2022, depois da vacina da covid-19, as mães do grupo também se tornaram aliadas de Regina na produção das bonecas.
Entre mensagens de Whatsapp e videochamadas, elas conseguiam diminuir as consequências do isolamento e ter uma rede de apoio.
“Em 2020 estava praticamente sozinha. Entre 2021 e 2022, com a vacina, ficou possível um dia vir uma, outro dia vir outra… Foi maravilhoso para nós. Teve uma mãe que era professora contratada da Prefeitura de Cuiabá e ficou sem, então passou 2021 fazendo bonequinhas, conseguiu ganhar um dinheirinho também. Acabamos trocando ideias e virou uma renda para ela”.
São as amigas que ainda continuam ajudando na produção de Regina, seja com doações de materiais de artesanato, como botões e retalhos, ou com uma mão amiga para criação das bonecas.
Regina se emociona por poder alegrar crianças e adultos, que também se encantam com as bonecas recicláveis.
“É uma coisa simples, mas que emociona muito as pessoas, por isso meu objetivo é entregar para pessoas bem carentes, que não têm uma boneca. É feito com muito carinho, com muito acabamento. O material eu compro, acho que não tem dinheiro que pague isso, vou comprando devagar”.