Olá, viajante. No último texto, estávamos no Acre e no penúltimo em Rondônia. Para chegar no nosso destino de hoje, precisamos dar meia volta na estrada e percorrer de novo tudo o que andamos nas últimas semanas. E o motivo é um só. O Norte do Brasil tem menos estradas que outras regiões devido a vários fatores, com destaque para os desafios impostos pela Floresta Amazônica. Além, claro, da trafegabilidade ser mais viável pelas águas.
Hoje vamos para Manaus, uma impressionante metrópole construída no coração da Amazônia brasileira. Só que para isso precisamos voltar do Acre rumo a Porto Velho, em Rondônia, e de lá encarar a “famosa” BR-319, conhecida como a pior estrada do país. Esta rodovia é a única ligação por terra entre o Amazonas e o restante do país, via Rondônia.
Há, claro, outras formas de se chegar lá. Por via aérea, o que era inviável em nossa viagem de Kombi, e também por rio. Aliás, o fluxo de chegada e saída de Manaus pelas águas é o mais intenso. E quase inevitável, inclusive. Porque mesmo optando pela única via terrestre, passamos por quase 50 pontes e quatro balsas. Pessoas e cargas chegam e saem por barcos, balsas e navios diariamente. Faz todo o sentido o transporte hidroviário ser bem-sucedido na maior bacia hidrográfica do mundo.
São quase 1000 km entre Porto Velho e Manaus, dos quais 450 km sem asfalto. Essa parte, conhecida como trecho do meio, é a mais temida. A estrada corta a Floresta Amazônica e tem longos trechos de isolamento total, sem postos de gasolina, cidades, vilas, fazendas ou sequer acostamento nas margens.
Em parte do ano, no período chuvoso, o fluxo fica inviável, com enormes atoleiros. No começo da época das águas, a lama transforma a pista em um verdadeiro “sabão”, o que exige atenção redobrada. Com o tempo, a persistência da chuva e o trânsito de carros e carretas remove o barro, criando enormes atoleiros e inviabilizando o fluxo de veículos. Na época mais crítica, só se passa de trator - ou puxado por ele. Comunidades ficam isoladas.
Como nossa viagem é de Kombi, nem em sonho enfrentaríamos a 319 na época de chuva. Mas como estamos na seca, a encaramos. Como faltam pontos de apoio, reforçamos o estoque de água. Providenciamos um galão extra de gasolina. Fizemos uma boa compra no mercado... e fomos. Se por um lado não teríamos – assim imaginávamos – uma pista molhada e escorregadia para nos preocupar, a atenção teria que se redobrar com as nuvens de poeira que se levantam a cada veículo que passa. As partículas de terra levantadas pelos pneus impedem a visão. E invadem a Kombi por todas as frestas possíveis.
Tentamos reduzir os danos tampando as brechas das portas com fita adesiva. Forramos a cama com sacolas plásticas e limpávamos o carro a cada parada. Isso não impediu o acumulo de poeira, mas não quero nem imaginar como nossa casa teria ficado sem essas precauções.
Precisamos de seis dias para vencer esses menos de 1000 km entre Porto Velho e Manaus. Isso porque um dia foi “perdido”. Mesmo estando na época da seca, ficamos o terceiro dia inteiro, desde a madrugada, sob chuva. A possibilidade de atoleiros e de encontrar a pista extremamente escorregadia nos fez apenas sentar e esperar.
Estávamos no Ponto do Gaúcho, um restaurante que serve de apoio para os caminhoneiros que encaram a 319. Os motoristas mais experientes que levam cargas sempre por aquela rota também ficaram parados. Para sair dali, só mesmo em um 4x4. As caminhonetes que chegaram naquele dia nos traziam informações e imagens nada encorajadoras. Os carros “comuns” que tentaram andar, atolaram.
No dia seguinte, conseguimos seguir viagem, e daí em diante, só precisamos mesmo parar para comer e dormir. A parada do quarto dia, aliás, foi a mais marcante da travessia. Um momento que vai ficar marcado para sempre quando nos lembrarmos dessa viagem Pelos Brasis. Chegamos à comunidade São Sebastião, na beira do rio Igapó-Açu, onde a travessia é feita por balsa. Encostamos a Kombi no estacionamento da Pousada Remanso do Boto. Eles não cobraram a hospedagem, mas jantamos no restaurante deles em retribuição. Um peixe fresco, delicioso, pescado ali mesmo, no “quintal” de casa.
Chegamos lá antes do entardecer. Conhecemos os donos. E as crianças nos chamaram para tomar banho de rio. Entramos nas águas e logo vieram dois botos-cor-de-rosa, que vivem naquelas águas livremente. Acostumadas com aquelas visitas, as crianças não se intimidaram e passaram a mão no boto. Nós também perdemos o receio e nos aproximamos. Tivemos a oportunidade única de contato com esse animal lindo e carregado de mística, símbolo da riqueza cultural e folclórica da região amazônica. Nadamos com os botos na Amazônia! Isso no habitat natural deles, longe de cativeiros e armadilhas.
Dois dias depois, chegamos em Manaus, cidade com mais de 2 milhões de habitantes. Mas esse relato de hoje já está tão longo e acho difícil termina-lo de melhor forma do que narrando nosso contato com os botos. O resto dessa história a gente termina de contar na próxima coluna. Até lá!
A coluna Pelos Brasis é assinada pelos jornalistas Lucas Bólico e Isabela Mercuri. Acompanhe o projeto no Instagram, TikTok, Youtube e Spotfy
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