Na década de 90, o lambadão atingiu o seu auge nas periferias da baixada cuiabana, onde a mistura entre a lambada, o rasqueado e o carimbó do Pará composta por ritmo acelerado e acompanhado por letras românticas, passou a ser a principal trilha musical dos bailes, que se tornaram a principal opção de lazer nessas regiões. Em vários momentos da história da cultura de Cuiabá, os artistas do lambadão precisaram lutar para criação de espaços e valorização do regional por conta do preconceito musical, já que o gênero musical era tradição às margens da cidade.
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No entanto, a Geração Z mato-grossense, nascidos entre 1995 e 2012, munida da câmera do smartphone começou a produzir vídeos para o TikTok em que o lambadão é o protagonista, com direito a “dancinhas”, algo característico da rede social. Apesar de não ter vivido o auge do lambadão em Mato Grosso, Matheus Gabriel Ramos Ribeiro, de 26 anos, aparece em sua conta no TikTok criando passinhos para o ritmo em várias publicações.
Em um deles, Matheus dança sob o som de “Você Quer Dançar”, da banda Os Ciganos, formada pelos irmãos Kleber, Mauro, o “Procurador Mauro”, e Wilson Cigano, que nasceu na periferia de Cuiabá, no bairro Planalto. Enquanto o vocalista repete o refrão, ele cria passinhos no vídeo que já ultrapassou 31 mil visualizações.
Em outro vídeo que já foi assistido 13 mil vezes, a música escolhida por Matheus foi “Terminando Com Saudade”, da Banda Novo Som. Muitos mato-grossenses interagem com o jovem nos comentários do TikTok, mas ele também recebe mensagens de pessoas de outros estados que se interessam pelo ritmo.
“Na hora que coloquei o primeiro vídeo bateu muito, decidi começar a colocar mais vídeos de lambadão. Recebo muitas mensagens do pessoal de São Paulo e Rio de Janeiro falando que querem aprender lambadão, pessoal chamando eu para dançar e curtir lambadão em Cuiabá, mas eu moro em Campo Verde, ir sozinho não dá, não conheço ninguém em Cuiabá”.
Quando começou a usar trechos de clássicos do lambadão no TikTok, Matheus se inspirou em outros usuários do TikTok que faziam o mesmo com ritmos tradicionais de seus estados. “Vi que no Tik Tok cada estado estava colocando seu perfil de dança, por exemplo o eletrofunk em Goiás, funk carioca no Rio de Janeiro. Decidi começar a mostrar o lambadão e postar. A primeira pessoa que começou a colocar lambadão no Tik Tok fui eu, por isso que começou a fazer uma febre no Tik Tok aqui em Mato Grosso”.
Apesar do lambadão ser tradicional em Cuiabá e Várzea Grande, o ritmo híbrido chegou para Matheus em Campo Verde através do pai, que é cuiabano. O jovem lembra que gostava de ouvir Erre Som desde pequeno e define o grupo como um “pilar”.
“Fiquei encantado com o lambadão mesmo com o Erre Som, foi o pilar e onde fiquei apaixonado, eu era novinho e começava a dançar Erre Som, aquela ‘Jumento Apaixonado’. Começou uma paixão pelo lambadão que segue até hoje, vou levar o lambadão para o mundo todo”.
Revisitando tradições no TikTok
Professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da UFMT, Aline Wendpap, explica que apesar da Geração Z ter nascido enquanto o lambadão vivia seu auge na década de 90, redes sociais como o TikTok ajudam a apresentar tradições regionais através de vídeos curtos e em um novo formato.
“Vejo que tem acontecido esse movimento de valorização, até porque essa nova geração, esses jovens, não viveram, não viram o que foi o movimento do lambadão aqui em Cuiabá e Várzea Grande. Chegou a ter um circuito de lambadão com várias casas de shows e vários lugares de apresentação das bandas, nos últimos tempos isso tinha ficado meio estagnado”.
De acordo com Aline, a cultura não é estática e se reinventa enquanto atravessa gerações, permitindo que algo visto como “cafona”, como no caso da visão de pessoas elitizadas perante o lambadão, seja ressignificado com o passar dos anos. “É o poder da cultura”, ressalta.
Para Matheus, que está conectado diariamente em suas redes sociais, o uso de áudios de lambadão no TikTok têm crescido consideravelmente. “Está ficando mais conhecido, antigamente a gente não tinha oportunidade de levar o lambadão para outras pessoas, de outros estados. Agora todo mundo está conhecendo o lambadão e isso é importante, levar nossa cultura para ainda mais longe”.
Referência: BARROS, Lidiane Freitas de. A cadeia produtiva do lambadão: rompendo as fronteiras da periferia. 2013. 102 f. Dissertação (Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Cuiabá, 2013.