Ansiosa com o início da jornada escolar de
José Caetano, de três anos, autista nível três de suporte e não verbal, a mãe dele, Nany Bologna, de 31, decidiu preparar um bilhete apresentando a condição do filho para os pais dos colegas de classe. Uma das preocupações de Nany foi que José Caetano usa garrafas de água como estereotipia, comportamentos repetitivos, motores ou verbais, e por isso, poderia pegar os objetos sem pedir, já que ele não se comunica verbalmente.
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“Fiquei ansiosa com o início da jornada escolar dele porque ele pega as garrafinhas de todo mundo nas terapias, mas geralmente são adultos. Isso me fez pensar na dinâmica escolar, quando ele ver que lá todos têm garrafas e querer pegar. Pensei na reação das crianças quando ele pegasse sem pedir, uma vez que ele não fala e não entende como básicos como um não”, conta Nany ao Olhar Conceito.
Apesar de ter se sentido de “mãos atadas”, ela explica que se recusou a não tentar fazer algo para ajudar tanto o filho, quanto os pais e os colegas de classe durante o processo escolar. Nany reforça que a informação é capaz de mudar cenários.
“Pensei que os pais dessas crianças poderiam ajudar nesse processo, desde que saibam do que se trata, então tive a ideia de fazer o panfleto apresentando ele e a condição dele. Sei que não posso lutar muitas batalhas no lugar dele, mas não significa que não podemos lutar juntos”.
No bilhete, ela explica que o filho faz 20 horas mensais de terapias para aprender a brincar e conviver com colegas não autistas “de maneira digna e feliz”. Nany ainda reforça que o filho não é violento e que gosta muito das garrafas de água para a estereotipia, algo que ele também vai aprender a controlar com tempo e terapia.
“Sei que não será fácil. crianças são crianças, mas que seja da maneira mais cheia de amor que pudermos fazer”.
José Caetano vai estudar na mesma escola em que a irmã mais velha já frequentava e Nany reforça que o espaço trabalha com "seriedade, amor e inclusão", além de abordar o tema com as outras crianças sempre com naturalidade respeito.
Mãe identificou autismo na primeira vez que viu o filho
Enquanto ainda estava deitada na cama do hospital se recuperando do parto do segundo filho, em janeiro de 2020, Nany identificou o primeiro sinal de que José Caetano era “diferente”, quando viu que o recém-nascido não expressou reação ao entrar em contato com a água no primeiro banho que tomou. O diagnóstico de autismo chegou um ano depois e, para Nany, a observação atenta aos sinais do transtorno que se manifestavam no dia a dia possibilitou que ela salvasse o filho.
“Sendo modesta, porque hoje me vejo em um lugar que posso ser modesta, eu salvei o Zé, acho que é isso. Realmente fiz o meu papel de mãe, porque às vezes pensava: por que ele, tadinho, passar por isso sem ter feito nada para ninguém. Com o passar do tempo passei a encarar diferente, se é para ser com ele, que bom que ele veio para mim, que consegui ver cedo, que corri atrás, que sempre vou correr e amar ele exatamente do jeito que ele é”, conta a mãe com a voz embargada.
Foi quando José Caetano tinha um ano e dois meses que um último sinal fez Nany entrar em pânico: o bebê perdeu completamente o contato visual com os pais. Para a mãe, a sensação foi de estar perdendo o filho. Na consulta com o pediatra, ela se lembra do médico relaxar os ombros quando ouviu que José Caetano não olhava quando era chamado pelo nome e afirmar, em seguida, que o autismo deveria ser considerado.
Da primeira consulta ao início do tratamento se passaram oito meses. A demora foi por conta da grande demanda por médicos que realizam a avaliação necessária para laudar uma criança autista. O processo precisa ser feito por um neuropediatra ou psiquiatra infantil, explica Nany. No entanto, os profissionais que avaliaram José Caetano nunca tiveram dúvidas sobre o diagnóstico, assim como a mãe dele.
“Eu entrei em um luto imenso, estado de dor e perda, porque pensava que a vida já é tão difícil para gente, como seria para ele? A partir daquele momento perdi algumas coisas, como ele falar mamãe, como ler, ser alfabetizado, existem grandes perdas relacionadas ao autismo, às vezes perdas e às vezes atrasos. Mas uma coisa que aprendi é que não podemos contar com as coisas”.
“O Zé não fala, ele é não verbal, ele não fala nada, não usa a linguagem oral e escrita como meio de comunicação, ele é capaz de falar e repetir, mas ele não usa para se comunicar. Então, ele não fala e acho que ele nunca vai falar, então, se um dia ele vier a falar é lucro. A gente tem que olhar desse ponto para não colocar as nossas expectativas em cima do desenvolvimento dele, porque seria um sofrimento para todo mundo, para nós e para ele. Temos que ir se despindo das coisas que a gente espera, das nossas expectativas a respeito dele”, continua.