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Quinta-feira, 24 de abril de 2025

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livros, papelão, algodão e etc

Descendente de Bakairi e imigrante italiano: conheça Mestiça, mato-grossense que ressignifica materiais e transforma em arte

Foto: Reprodução

Descendente de Bakairi e imigrante italiano: conheça Mestiça, mato-grossense que ressignifica materiais e transforma em arte
A artista mato-grossense Amanda Fabris Macedo, que adotou o nome artístico Mestiça, por ser neta de uma mulher indígena Bakairi e de um imigrante italiano, encontrou na arte um caminho de expressão que atravessa memórias de infância, ancestralidade e reconciliação com o passado. Aos 28 anos, Mestiça vive em Ribeirão Preto (SP), mas segue conectada às origens em Mato Grosso, onde nasceu e deu os primeiros passos no mundo da arte. 


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No mês passado, a mato-grossense realizou a exposição "Voltando às Raízes", no Museu Sertãozinho (SP). Atualmente, a arte de Mestiça transita entre diferentes linguagens, como artes visuais, digitais, grafite, costura, cerâmica, escultura e muralismo, experimentando tudo o que desperta sua intuição criativa.

A artista misturar técnicas para ressignificar materiais como livros, bulas de remédios, papelão e algodão, pois acredita que a arte tem o poder de transformar o ordinário em algo sagrado. Para Mestiça, criar é um processo vivo, um caminho de descobertas, e é nessa busca constante que sua arte se fortalece e se renova.

Apesar da trajetória artística que têm construído nos últimos anos, nem sempre foi assim para a mato-grossense. Ela começou escrevendo contos e poesias, e com sete anos teve um poeminha de Natal publicado na Tribuna de Rondonópolis. “Todo mundo fez um desenho e eu decidi fazer um poeminha”.

“Não desenhava e nem pintava desde criança, meu envolvimento com a arte, enquanto criança, veio a partir da leitura e da escrita”, lembra.  



Durante a adolescência, o foco continuou na escrita. Criou blogs, entre eles o "Memórias Desalinhadas", onde começou a experimentar uma linguagem visual, fazendo colagens digitais e colocando seus textos por cima das imagens. “Era bem guerrilha, edição no celular mesmo”. Foi quando percebeu que seus textos pediam algo a mais, e a parte visual começou a ganhar espaço.

O ponto de virada veio com o relacionamento com seu namorado, também artista. “Até então, tinha uma ideia de que talvez o desenho não fosse para mim. Tentava participar de aulas, mas era muito quadrado. Depois desse encontro com ele, consegui realmente desenvolver o que é meu”.

Ela passou a misturar técnicas e suportes, explorando pintura, colagens, escultura com cerâmica fria e, mais recentemente, papel machê e papelão. “Faço esculturas, carrancas e produtos mais assim. Tenho pensado bastante em desenvolver essa parte mais 3D”.

A troca com o namorado foi fundamental. “Ele falava: 'pô, eu não sei escrever muito bem'. E eu dizia: 'isso é o que eu sei'. E ele: 'eu sei desenhar, vamos trocar?'”. A parceria deu certo. “Até hoje é uma sensação indescritível quando vejo as coisas prontas, principalmente hoje, que já consigo pensar e executar o que pensei”.

A redescoberta da arte visual também significou um reencontro com a criança interior. “Sempre foi falado para mim que desenho era dom. Como não nasci sabendo, achei que não dava para eu aprender”.

Esse pensamento foi sendo desconstruído com o incentivo do namorado e de artistas do convívio, como Tamii, artista de Cuiabá. “Ela ajudou muito nesse processo de entender que não tem um padrão específico. Você vai criando e vai fazendo, desenvolvendo da sua forma”.

A relação com a própria ancestralidade também atravessa a produção de Mestiça, ela conta que só conheceu o avô materno e foi parte importante para que o pai conseguisse entender as próprias raízes indígenas. “Meu pai foi tirado da aldeia muito novinho, uma história extremamente trágica, que refletiu quase em uma aversão a esse passado indígena na gente”.

Na adolescência, ela começou a buscar esse passado Bakairi, algo que motivou o próprio pai a remexer nas memórias que ficaram perdidas quando foi tirado da aldeia. “Foi muito importante para ele também. A partir do momento que eu começei a me interessar, saber se ele tinha um nome na aldeia, tentar conhecer pessoas que podiam falar alguma coisa desse passado pra gente, acho que ele se sentiu acolhido”. Isso se reflete nas obras. “Por mais que tenha uma estética de grafite, os elementos refletem muito essa ancestralidade”.

A mudança para Ribeirão Preto (SP) veio após a pandemia da covid-19, em busca de novas possibilidades. “Está sendo muito bacana. Me acrescentou muito, foi outra virada de chave, tanto na minha arte, quanto na minha vida”. Segundo ela, foi a partir da mudança que passou a construir uma coerência narrativa em suas obras. “Desde que vim para cá faço as mesmas personas, tenho ali um storytelling de toda a minha arte. Toda ela converte junto”.

O nome artístico, Mestiça, também carrega esse sentido, sendo que suas principais referências estão na arte brasileira. “Vem dessa mistura do Brasil com o Egito”, diz, rindo. “Estou olhando para um Mestiço de Candido Portinari que tenho na minha sala, é minha obra favorita”.

Hoje, a escrita se tornou um acessório dentro da obra visual. “Uso mais como complemento. Mas meu olhar mudou completamente, até para a escrita. Quando sento para escrever, consigo ter uma escrita muito mais descritiva, tenho uma memória mais fotográfica”.

Apesar da distância, Amanda continua conectada a Cuiabá e Rondonópolis. “Estamos sempre por aí fazendo alguma arte e pintando algum muro”.
 
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