Ainda adolescente e morando no interior de Mato Grosso, Giovanna Mendes, hoje com 23 anos, se encantou pelos bebês reborn ao ver um vídeo no YouTube — sem imaginar que essa arte a levaria a sair do interior para viver na maior metrópole do país, São Paulo. Hoje, a jovem fatura entre R$ 15 mil e R$ 20 mil por mês, mas o primeiro bebê que produziu, enquanto trabalhava na prefeitura de Barra do Bugres (MT), foi vendido por apenas R$ 600.
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Giovanna é uma “cegonha”, como são chamadas as artesãs que produzem os bebês reborn, enquanto os ateliês dela são as “maternidades”. É pelas mãos das cegonhas que os bebês ganham os traços realistas que impressionam, inclusive, fazendo com que desavisados pensem que são crianças de verdade.
O processo começa com os kits para fazer bebês reborn, que são compostos por peças pré-fabricadas de vinil, como cabeça, braços, pernas e corpo, que servem como base para a criação das bonecas. Eles não incluem pintura, cabelo ou roupas. Toda a personalização fica por conta das cegonhas que acrescentam detalhes minuciosos como veias, manchas, marcas de expressão e pintas.
“Quando fiz 20 anos, trabalhava para a Prefeitura de Barra do Bugres e, com o meu dinheiro, consegui comprar o meu primeiro material, porque eu queria fazer um curso, era bem básico. Cinco meses depois eu consegui vender meu primeiro bebê por R$ 600, que é um preço muito baixo ainda em comparação com os bebês que vendo hoje em dia. Mas, na época, foi a melhor coisa do mundo, porque achei que faria só para mim e para familiares, não achei que chegaria a vender”.
Todos os detalhes dos bebês reborn são pintados à mão pelas cegonhas. (Foto: Reprodução)
Giovanna continuou comprando os kits e produzindo bebês reborn. A cada venda, ela usava parte do dinheiro para comprar mais materiais e investia em cursos profissionalizantes. “Cheguei a fazer um curso até internacional, online mesmo, depois dele consegui aperfeiçoar minha técnica e, hoje em dia, são confundidos com bebês reais. Somos muito paradas na rua para saber se é bebê ou boneca. Depois desse curso comecei a acompanhar melhor a arte reborn no Brasil, conheci uma das artistas, a Brenda, que hoje em dia é minha esposa”.
Em 2023, cinco meses depois de conhecer Brenda, que já era uma das cegonhas de São Paulo, a mato-grossense decidiu se mudar para a capital paulista. Hoje, as duas moram juntas e, apesar de cada uma ter a própria maternidade reborn, costumam unir forças nas produções dos bebês. A mudança foi essencial na trajetória como artesã e fez com as vendas aumentassem cada vez mais.
“Depois que me mudei para cá, minha filha… Foi venda atrás de venda, alavancou muito minha carreira”, comemora Giovanna.
“Aqui em São Paulo é tudo muito perto e rápido, então se precisar de um kit, que é composto pela cabeça, braços e pernas do bebê, é fácil de conseguir. Mudou a minha vida essa mudança, hoje em dia trabalho com parcerias com youtubers e tiktokers, só vivo fazendo os bebês, não tenho outro emprego ou outra fonte de renda”, continua.
Giovanna já vendeu bebês para outros países como França e Estados Unidos, sendo que o caro custou R$ 8 mil. Ela chega a produzir um bebê reborn por semana em São Paulo e, recentemente, tem se dedicado na produção de uma peça para a filha dos criadores de conteúdo Julio Cocielo e Tata Estaniecki.
“Fora das câmeras, a gente guarda no guarda-roupa”
Além de ser cegonha, Giovanna também é dona de uma coleção pessoal com 27 bonecas. Em São Paulo, ela costuma participar de encontros da comunidade reborn. Recentemente, ela foi uma das entrevistadas pelo jornalista Chico Barney durante um dos eventos no Parque Ibirapuera.
Ela explica que um dos conteúdos mais populares nas redes sociais envolvendo bebês eborn é o chamado roleplay, em que adultos simulam situações reais como dar banho ou trocar fralda — vídeos voltados principalmente ao público infantil. “Hoje tem muita gente que tem perfil no TikTok e outras redes sociais para falar sobre esses bebês”, diz Giovanna.
Ela cita a influenciadora Nane Reborns, que tem mais de 233 mil seguidores no TikTok e é conhecida por fazer esse tipo de conteúdo. Por lá, ela acumula mais de 2 milhões de curtidas nos vídeos de roleplay. Em um deles, Nane usa um filtro para fazer com que o bebê reborn pisque. “Ela faz roleplay, mas é na frente das câmeras. Fora delas, a gente guarda literalmente no guarda-roupa. É igual uma obra de arte, tem que ser tudo guardado e cuidado com muito carinho”.
Arte reborn enfrenta hate por ser coisa de mulher
Apesar do crescimento da comunidade reborn no Brasil, artistas como Giovanna ainda enfrentam preconceito e ataques nas redes sociais. Críticas à prática de colecionar ou simular cuidados com os bebês reborn são frequentes e, segundo ela, muitas vezes carregadas de machismo.
“Tem homem que coleciona carrinho, tem gente que coleciona videogame… para a gente é uma coleção também, não é um bicho de sete cabeças”, afirma. Giovanna aponta que, por ser uma atividade ligada majoritariamente ao público feminino, há menos aceitação. “Se fosse algo voltado para os homens, talvez não fosse tão criticado”, completa a cegonha.
Segundo ela, até os poucos homens que participam da comunidade são alvo de ataques e xingamentos. “Chamam de homossexual, não respeitam”, completa. Ela já teve crises de pânico por conta dos comentários de ódio, mas hoje evita dar atenção. “Tudo que qualquer pessoa fizer que tenha público, sempre vai ter gente falando mal.”