Quando decidiu levar as ações do 1º Festival Calor e Cor para a periferia de Cuiabá, o artista independente Rogério Marte, de 36 anos, tinha como principal objetivo descentralizar o acesso à arte. O evento aconteceu em julho, mas deixou murais assinados por artistas do Brasil e do exterior em diferentes pontos de bairros periféricos como Tijucal, Osmar Cabral e Pedra 90, além da UFMT. Para Rogério, é importante que trabalhadores que vivem nos endereços mais afastados, que muitas vezes passam a maior parte do dia dentro do transporte coletivo, também possam admirar obras de arte em uma galeria a céu aberto.
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"O ambiente urbano muitas vezes é hostil, voltado para carros, mercadorias e dinheiro. A arte humaniza esse espaço. Às vezes você está voltando do trabalho na neurose do dia e se depara com uma obra linda. Isso pode amenizar a labuta diária e até despertar outros pensamentos e revoluções. Para mim, a arte é fundamental na vida de todo trabalhador”, afirmou Rogério em entrevista ao Olhar Conceito.
Para criar o Festival Calor e Cor em Cuiabá, o artista se inspirou em outros eventos semelhantes que acontecem dentro e fora do país, muitos dos quais ele já esteve no lugar de participante. Outra prioridade é colocar a capital de Mato Grosso no mapa do grafite. Durante o processo de execução do projeto, também foi realizado um estudo geográfico sobre os centros de cultura e aparelhos culturais, como teatro, cinemas, galerias e museus.
"A partir daí percebemos que todos esses aparelhos de cultura são localizados ou na região do Centro de Cuiabá, são poucos que existem nas periferias. Com esse estudo conseguimos também fazer com que vários artistas fossem para a periferia, para ter a possibilidade de transformar arte urbana em arte pública".
Rogério explicou que escolher o grafite como linguagem central do festival foi um gesto político. “No hip hop, o grafite sempre foi visto como o primo pobre. Em muitos eventos, Mcs e Bboys têm premiação em dinheiro e o grafiteiro, muitas vezes, nem o material recebe. É uma luta constante por visibilidade. Então quisemos criar um festival em que o grafite tivesse o protagonismo”, contou.
"Mas o Calor e Cor acaba abarcando outras linguagens das artes de rua, como o muralismo, que é um movimento que tenho bastante afinidade e interesse de conhecer mais, por ser um movimento latino-americano. Tem a mesma importância que o grafite para a cena da rua", continuou.
A seleção dos 35 artistas que participaram se deu por formulário online, com análise de currículo, estilo e trajetória. Houve também convites diretos, com destaque para muralistas mulheres, como Janín e Yuda, vindas do México. “Foi muito enriquecedor esse intercâmbio. Queríamos abrir espaço para outras narrativas dentro da cena”, diz.
Em breve, um catálogo com todas as obras realizadas durante o Festival Calor e Cor deve ser lançado em Cuiabá. Nele, será possível encontrar informações sobre os artistas e os murais que ficaram como presente para a cidade, mesmo sem garantias de permanência.
“A rua é pública, está sujeita a qualquer intervenção, mas gostaríamos que as obras permanecessem por anos, como os murais dos anos 90 que ainda resistem em Cuiabá. No fim, o mais importante é a interação da população com a obra. Não é só tinta na parede, é narrativa, história de vida e reflexão para quem passa”.