Antes de começarmos nossa conversa de hoje, assistam este trailer:
Quando eu vi este trailer, achei que fosse mais uma comédia romântica com um final feliz, sem nenhuma profundidade, com um tema relativamente interessante. Quis assistir mesmo assim. Isto foi ontem à noite. Nikolai iria me acompanhar na “sessão cinema”. O filme que tínhamos em mãos, pensava eu, só poderia ser descrito como “divertidinho”.
Antes de começar a assistir, protegidos na segurança de minha casa, confortavelmente deitados em dois edredons, pedimos um hambúrguer. Depois de consumir meio litro de coca cola e o que me pareceu um Kg de bacon, apertamos o play. Eu juro, nas primeiras cenas, doía fisicamente assistir a estes personagens.
Jon é o típico macho alfa, malha muito, tem um carrão e pega muitas garotas, é meio “neatfreak” (obcecado com limpeza), que adora assistir filmes pornográficos. Na verdade, segundo ele, assistir filmes pornográficos é melhor do que o sexo na vida real. Nele, a mulher faz sexo oral sem pressa e com vigor, muda de posição várias vezes e divide o esforço físicos necessário. Na vida real, para ganhar sexo real, você tem que dar, coisa que o tal de Jon não gostava. E então, ele conhece Barbara, interpretada Scarlett Johansson, a minha musa de “Match Point”. E sinceramente? Nada muda. Jon continua preferindo vídeos pornôs ao sexo real.
Quando Barbara o pega assistindo os vídeos, ela faz Jon prometer que nunca mais vai fazer isto. E é claro que ele continua fazendo. O relacionamento dos dois, por mais bonito que pareça na superfície, é marcado por unilateralidade. Jon não se importa com o que Barbara quer porque ela também não se importa com o que ele quer. E esta é a sacada do filme, que, no começo, não entrega seu propósito, só vai dando pistas ao telespectador.
Mais ou menos na metade do filme, Barbara descobre que Jon continua se masturbando com os vídeos que ela tanto odeia e os dois terminam. Tomo mais um gole de coca cola e suspiro, pensando no final previsível deste filme. Neste momento, Nikolai pausa o longa-metragem, vira pra mim e diz: “Olha, é um princípio meu assistir um filme até o final. Mas este aqui está chato pra caralho. Eu ainda estou esperando ele me surpreender”. Eu respondo: “É, eu também”, mas a verdade é que eu já tinha desistido de que este filme pudesse ter qualquer valor ou aos menos ser “divertidinho”.
E então, uma personagem que era secundária entra para o primeiro plano. Uma viúva de meia idade que perdeu um filho e marido em um acidente de carro, antes de julgar Jon, tenta entender. De forma meio tensa, os dois se aproximam. Ela questiona Jon no porquê de ele gostar mais de vídeos pornô do que de sexo real.
Unilateralidade. Está é a grande sacada do filme. Jon gostava tanto dos filmes pornô porque neles, só tinha que receber, não dar. Não havia envolvimento real. No sexo de verdade, não é só sobre sentir prazer, mas dar prazer também. Mesmo que você esteja com um completo estranho na cama. De outra forma, só vai ser automático e estranho, como geralmente são as primeiras, segundas e terceiras vezes.O filme, aliás, mostra como fazemos quase tudo em nossa vida no automático, sem pensar, de uma forma totalmente unilateral, seja no trânsito, na igreja, na academia ou na refeição obrigatória com a família.
Mas e Barbara? Ela também era bastante unilateral, mas não em relação ao sexo, mas sim em relação ao que ela queria de um cara. Ela queria um homem que, como nas comédias românticas que ela tanto adora assistir, satisfaça todos os seus desejos e vontades, sem questionar, porque somente assim “é amor”.Neste filme, comédia romântica é para Barbara o que um filme pornô era para Jon: Um ideal de relacionamento, onde apenas um recebe enquanto o outro tudo faz por ele. Como a irmã de Jon disse em uma cena, “Aquela garota tem a própria agenda. Ela não liga para o que Jon quer. Ela só quer um cara que satisfaça seus desejos, case e tenha filhos”.
Assim como na relação de Jon com os filmes pornográficos, Barbara não queria dar, só receber. E ainda usava como argumento que isto que era amor.
“Mas porra, isto é um filme”, você me fala.
E agora eu paro e penso: Sim, é um filme. Mas ele está errado ao dizer que, em muitos relacionamentos, não estamos pensando em construir um vínculo perfeito com aquela pessoa imperfeita, mas sim no que aquela pessoa vai acrescentar na minha vida? Do que ela vai me servir? Quantas vezes nos perguntamos durante um relacionamento sobre o que nós estamos contribuindo?
Algumas coisas são extremamente unilaterais. Mas alguns dos nossos gostos podem ser compartilhados. E não é isto o que é saudável em um relacionamento? Além de compartilhar seus medos e angústias, também pensar que, por mais que odiemos algo, ela possa ser importante para o outro? Se a pessoa é importante, não vale a pena pelo menos tentar entender por que o outro tem afeição por algo, mesmo que seja pornografia?
Depois do filme, Nikolai e eu ficamos deitados olhando para o teto, refletindo que em alguns anos “Don Jon” vai se tornar um Cult do cinema. Ou talvez não. Depois disso, passamos um tempo com a Stoya. Juntos.
*Cecília Neves é escritora, curiosa sobre o sexo, relacionamentos e idiossincrasias humanas. Ela escreve no Olhar Conceito aos domingos e quer que você compartilhe experiências pelo e-mail cecilia.neves25@gmail.com. Para acompanhar mais textos de Cecília, curta a página “Era do Consentimento” no facebook clicando aqui.