Um ano atrás, nesse mesmo dia, eu cruzava os Andes, a espinha dorsal da américa do sul. A vista lá de cima estava espetacular. Para um guri que cresceu no interior do Brasil, junto à campos de soja e algumas florestas, ver esses gigantes de pedra nunca vai deixar de ser espetacular. Há um ano eles estão todas as manhãs, na minha janela. E o sol demora a aparecer , porque tem que escalar seus mais de 3000 metros para poder brilhar no rosto da gente.

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“Porque você foi pro Chile?” - perguntam amigos tupiniquins. “Y porque veniste a Chile?” - os andinos. Em primeiro lugar, porquê me apaixonei. Não por uma mulher - ainda -, mas pela paisagem, pelo ar, pelas histórias, a cidade e o campo. Me encantei pelo país nas duas vezes em que estive aqui anteriormente. Em minha opinião, esse amor é essencial para fazer qualquer um sair da sua casinha, da “segurança” e enfiar a cabeça em uma aventura. Quem já viveu um grande amor sabe o que eu tô falando.

Em segundo lugar, sempre me amei. No sentido do amor mesmo. Eu não queria me ver sofrer (acredite, tem gente que curte seu próprio sofrimento) e minha vida, no Brasil era uma estaca. Não ia nem pra trás nem pra frente, os dias eram bem parecidos, eu fazia uma faculdade que detestava e não via nem um palmo do futuro que eu sonhava à frente no meu nariz. Briguei muito com minha mãe e fiz ela chorar um bocado pra só depois, entender que eu havia crescido (faz teeeempo) e estávamos procrastinando um processo natural: voar pra fora do ninho.

Larguei a universidade e de um dia para outro resolvi, com um dinheiro que tinha guardado, comprar a passagem pra tentar a vida no Chile. Meu embarque seria em uma semana. Sim, tomei uma decisão desse calibre com só uma semana de antecedência. Porque? Porque eu senti que era agora ou nunca. Eu senti. Igual quando você vê a fotografia com os olhos e sabe que se não clicar, já era. Nunca mais.

Em Santiago, fiquei desempregado por 4 meses. Procurei trabalho em um montão de lugares. Eu achei que era um puta fotógrafo. Pensava: “como é possível que com um portfólio desses e os prêmios que ganhei, continue sem emprego?”. É fácil ser o cara em uma cidade pequena e com pouca concorrência, negão. E sofri um golpe que me deixou muito mais humilde. Eu não tinha experiência nenhuma, absolutamente. Fiquei triste, botei uns currículos falsos em baixo do braço e saí pra procurar trabalho de garçom. No meio do caminho, lembrei que em alguns lugares não tinha sido recebido porque os editores não estavam. Dei meia volta, joguei os currículos no lixo e fiz algo que, em minha época de zona de conforto, era impensável: tentei de novo. Me receberam na United Press, que é onde estou hoje. Comecei uma semana depois, com muita dificuldade. Eu simplesmente não sabia o que era fazer trabalho de imprensa. É bem diferente de sair por aí fazendo “boas fotos”. É extremamente difícil e desafiante. Nunca um dia é como o outro. E foi isso que me fez continuar e aprender um monte.

Enfim, estou aqui. Lembro de quando vim. A dúvida estampada na cara dos meus amigos e da minha família. Preocupação. Acreditem, meu coração também se sentia assim. Mas eu vim. Estou vivo e pronto pro que vier. E se posso dar uma dica a você que leu isso até aqui, é. Amigão, um dia você vai morrer. Faça o que tem vontade AGORA e corra atrás do que te faz feliz. Fazer planos é bom, mas saber dançar é mais importante.

Ah, não dê bobeira.


*Lucas Ninno é fotógrafo, saiu de Cuiabá para se aventurar no Chile e agora trabalha como repórter fotográfico para a United Press International (UPI) e escreve quinzenalmente para o Olhar Conceito com as desventuras do seu próprio olhar